quinta-feira, 13 de agosto de 2020

De um destino traçado

Como pode o homem ser refém de seus desejos, de seus pecados, de suas paixões de tal modo que nada na sua vida é mais do que apenas uma prisão profunda e escura da qual ele nunca consegue escapar para vir a contemplar a luz do sol? 

Como pode o homem estar tão firmemente preso as correntes em seus membros que já nem se imagina sem elas, já não é incapaz de plasmar em sua mente uma existência em que não sinta sua cativa sina como parte de si, como sua única realidade, como sua única sentença irrevogável? 

Como pode o homem apenas desejar ser livre sendo que a liberdade é algo simplesmente por ele imaginada, nunca vivida em sua plenamente? Como pode desejar viver sem seus desejos mais primitivos, sem suas paixões mais avassaladoras, sendo que ele nunca vivenciou um dia sequer sem sentir-se consumido pelo fogo infernal do querer? 

O homem sempre deseja aquilo que não pode ter. Deseja o frescor da água por experimentar o consumir do fogo que nunca o extingue, mas que o destrói ao mesmo tempo que o mantém vivo, num ciclo sem começo e sem fim, algo como o ourobouros que se mata ao passo que se alimenta de si mesmo, sem que nunca saibamos se isso é vida ou morte. 

E ele já nasceu preso a esse destino, atado a estas correntes, pelo pecado de seus primeiros pais, pela letra escarlate que lançou tão pesada sentença sobre toda a humanidade. Agora o homem, condenado a viver da terra e do suor de seu rosto, condenado a ser consumido por dentro, como brasa abaixo de sua própria pele, busca algo que sequer viveu senão por aqueles de um passado tão distante que quase se perdeu no tempo, busca voltar aquele útero primitivo que perdemos há muito tempo. 

O homem já nasceu condenado a esta prisão. Uma caverna escura e correntes pesadas são sua única realidade. Apenas consegue ver as sombras daquilo que se passa lá fora, imaginando se aquilo é a liberdade, algo que ele mesmo inventou para fugir da única vida que se conhece. Mas isso aprece não existir, não parece alguém tão livre de si mesmo que consiga viver sem atender a esses clamores tão profundos, a essa chama tão sombria, a esse laço de um destino já traçado, como uma corda pela qual manipula seus bonecos o titereiro. 

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