domingo, 9 de agosto de 2020

Recomeçar

Tem dias que eu tenho vontade de ir embora, não como um daqueles desejos apaixonado de simplesmente desaparecer por aí, sem rumo, somente pra fugir de tudo e de todos. Claro, meu objetivo é ainda o de fugir de tudo e de todos, mas eu não quero algo assim., como quem sai a 200km/h na contramão. 

Queria me mudar pra uma nova cidade, uma cidade mesmo, com alguma coerência arquitetônica, que respeitasse o espírito da própria história, onde a beleza não estivesse só nos filmes. Talvez no sul, onde as coisas me parecem um pouquinho mais boitinhas. Não sei, uma grande casa perto do centro, porque gosto de estar perto de tudo, com uma grande igreja onde se celebre a Missa Tridentina, construída para ser exatamente isso, igreja, e não um salão qualquer com algumas imagens e uma mesa no meio.

Fico imaginando, acordar e olhar pela janela e, ao invés de ver um muro grande de alvenaria com partes mofadas pela última temporada de chuvas, ver uma bela paisagem, ainda que sejam prédios e casas, mas uma paisagem que não seja apenas o amontoado caótico de construções sem relação alguma entre si. 

Imagino visitar pequenas casas de café, com o cheiro doce inebriando o ar, enquanto sentado perto da grande janela de vidro eu possa ver as pessoas caminhando lá fora, ocupadas em suas rotinas, negócios e amores. Ver o pôr do sol da sacada, usá-lo como inspiração pro dia seguinte. 

Quem sabe eu consiga morar numa casa bonita, com o chão de madeira brilhante, as paredes limpas, portas fechadas e uma grande prateleira de livros, expostos orgulhosamente como séculos de conhecimento e de viagens inesquecíveis à minha disposição. A grama verdinha, onde de vez em quando eu me sento para sentir o sol em minha pele e ouvir música baixinho. 

Gostaria de andar por novas ruas, ver como as pessoas se comportam, descobrir lugares bons para tirar fotos, algum teatro ou uma confeitaria daquelas que uma fatia de bolo custa quase a parcela de uma casa.

Também poderia me adaptar a algum lugar no interior, não tão no interior a ponto de não ter uma boa internet ou energia elétrica, mas uma casa um pouco mais distante, onde possa sentir o cheiro da terra úmida pelo orvalho da manhã, os pássaros em seu desfile pelos céus, ver o brilhante das folhas, as cores e perfumes das flores. Minha mãe ia adorar rodear a casa e espalhar pelo quintal várias de suas plantas, com a diferença de que agora ela não teria só um jardim no quintal, mas o próprio quintal seria o próprio jardim. 

Me imagino acordando e sentindo o cheiro do café e ouvindo ela remexendo a terra para colocar alguma nova muda, regando com uma mangueira quando ficamos alguns dias sem chuva, entrando em casa com um chapéu de palha com um lacinho vermelho, luvas amarelas e algumas ervas que vai usar para fazer algum chá. 

Mas, acho que de tudo isso o que mais me agrada em sair daqui e ir, não pra qualquer lugar, é justamente a possibilidade de sair desse meio tão doente. Estou cercado de pessoas egoístas, vazias, que não concebem nada no universo além das próprias vontades e paixões, no sentido mais pejorativo que Schopenhauer pôde conceber, pessoas infantis, dispensáveis no mais das vezes. É um ambiente que já não funciona para mim, além de não me encaixar ele simplesmente me deixa doente. 

Gostaria de recomeçar. Se for conhecer novas pessoas escolher conviver apenas com as que não me fazem passar raiva ou querer sumir. Frequentar lugares diferentes, não me sentir sufocado, fechado em mim mesmo. 

Claro que poderia fazer algo disso aqui, mas esse lugar, minha vida aqui, já está gasta não comporta reformas, pede por recomeço. É difícil olhar para as pessoas e sentir enjoo por ter de partilhar da companhia delas, sentir que muitos te tratam como se fosse um moleque ou, pior ainda, como se tivesse obrigação de fazer tudo o que elas não querem fazer. Queria recomeçar. Esquecer os dias que passei em cima da minha cama sem querer ver um feixe de luz sequer, sem querer ouvir a voz de ninguém, sem querer viver.

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