sábado, 29 de agosto de 2020

Pedido

Alguém que o entenda, que mais você poderia pedir? E mesmo dizendo que o entendo, parece que não consegue me entender. É uma mão única, aquilo que vai não retorna jamais. O homem fica sozinho, a contemplar a torrente a despencar, observando o desgaste das grandes pedras que se dobram ao poder daquela incessante insistência. A visão se guarda na memória, ou seria no coração? As lembranças certamente ficam no coração, mas com o tempo elas também vão se desfazendo, pouco a pouco.  

É uma bela pintura, verdadeira obra de arte plasmada há centenas de anos, não é como as banalidades as quais estamos acostumados a nos refugiar. É, é uma bela visão. Poderia ficar aqui pra sempre, sentindo as gotículas em meu rosto. É melhor do que olhar qualquer outra coisa menos sublime. Mesmo ainda vendo coisas que ninguém mais vê, mesmo conseguindo enxergar para além do véu que nos recobre de medos e incertezas titubeantes, que nos fazem querer fugir dos próprios pensamentos.

Como a folha se desprende das águas e repousa naquele espelho prateado, também seguimos o vento, olhamos as flores, mas também partimos. É, a água cai sem parar, parece que nunca vai ter fim. Mas tudo o que começa precisa de um final, de um jeito ou de outro e, no mais, eu já não sou água a cair sob a pedra, não, sou o rio a fluir para longe, em busca de novas paisagens, de novas terras para inundar. É reconfortante, é a mesma tranquilidade decidida daquele fluxo cujo fim não nos é permitido ver. 

O fim? Algumas dores que nos lembram a vida que continuam, os músculos retesados, rijos a protestar mesmo agradecidos, mas uma parte do corpo ainda sente, uma parte ainda quer voltar lá. Acho que todo mundo ama viajar ou, ao menos, caminhar e sentir novos ares, sentir o frescor, o peito arder sem fôlego, os pés a tropeçar mais ainda com um riso no olhar. 

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