sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Das sombras que me guiam

Tomado pela escuridão que há em mim, não consigo olhar para a luz, mas isso não me assusta, é essa escuridão que me guia. É essa escuridão que, colocando-me frente a frente com a minha fera, me fez ver o que de anjo também há em mim. 

Mas sinto que tentam invadir essa minha escuridão, tentam violar o meu jardim, e querem que veja a luz a todo custo, querem que veja por onde vão, que siga o mesmo caminho que eles, ainda que todos pareçam estar indo para o abismo. Ainda que na escuridão, estou seguro e minha casa está sossegada. É a agitação do dia que me assusta, é ela que eu temo sinceramente. 

A escuridão já se tornou meu refúgio particular, é aqui onde ninguém entra que eu consigo domar as minhas feras, e contemplar os meus anjos. Não suporto a luz, não suporto o furor que ela provoca, a ânsia ensandecida pelo prazer, pela afetação. A luz cega aqueles que a olham diretamente, e aqueles que me cercam estão claramente cegos. 

É a escuridão feita das cinzas dos sonhos que tinha e que deixei de sonhar. Agora pavimentam a estrada do realismo brutal pelo qual cruzo em minha jornada. É essa estrada que se estende para muito além de onde alcançam meus olhos, e é essa estrada que sinto sob meus pés, enquanto caminho e olho para os céus estrelados. 

Já não consigo mais ser ou agir como antes, eu mudei, o rio não é mais o mesmo e eu também não sou mais o mesmo. Panta Rei. O sorriso comum me parece tedioso, o discurso ignorante me provoca náuseas, aqui não é mais o meu lugar. A baixeza, a vileza, a mediocridade me causam violenta repulsa. 

Sou agora como uma folha levantada pelo ar, voando e rodopiando para longe da arvore, conhecendo novas paisagens, pousando sobre novas terras, sendo banhado pelo brilho distante de outras estrelas que, mesmo longínquas, ainda são a única coisa que brilham em mim. E é esse brilho das estrelas que me guia, uma luz que brilha com mais clareza que a do meio dia. 

Mesmo sabendo que as coisas não deveriam ser assim eu aceito, talvez não seja para sempre, talvez mude de algum modo mais uma vez, mas eu não já não rogo maldições ao destino por ter me deixado só, não, eu entendo que não conseguiria viver com os outros de modo algum. É melhor assim. 

"Quando você conhecer um ser solitário, não importa o que ele te diga, não é porque ele gosta de solidão. É porque ele tentou se misturar ao mundo antes e as pessoas continuarem a decepcioná-lo" (Jodi Picoult)

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