terça-feira, 25 de agosto de 2020

De uma morte

Clarice Lispector disse, numa entrevista, que ela passava por momentos de grande ímpeto criativo, em que ela conseguia escrever, deixando que as palavras fluíssem naturalmente de dentro de si. Esses momentos eram intercalados por períodos de grande aridez, que ela definiu como sendo uma morte, afirmava que verdadeiramente morria e que renascia quando conseguia escrever novamente. 

Acho que entendi o que ela quis dizer no sentido em que passamos por noites escuras, experimentamos o vazio e disso pouco conseguimos tirar. Daí nos sentimos como que mortos, mas eu também vejo por outro lado e, penso eu, imagino que ela também o percebeu. Quem morreu já não sente mais nada, não sente dor ou alegria, apenas está assim, morto, e é só isso. 

Eu sei bem como é sentir-se desse jeito, não é uma experiência complexa, é apenas uma falta de experiências e, no entanto, continua sendo uma experiência. É ser tomado, não pelo medo ou pela tristeza, mas apenas não ser tomado por nada, não sentir nada, como uma parede branca que não contém nada além da inspiração de alguém surja para fazer dela uma tela, seja pelos rabiscos de uma criança ou pelos traços firmes e decididos de uma grande artista. 

É olhar o céu azul, o mar brilhante, as flores e as folhas, sentir o perfume e os sabores dos doces e, mesmo assim, não sentir nada. Não é exatamente ruim, não é nada. 

É um período ímpar, e alguns dias sou deixado assim, apenas a olhar uma grande tela em branco, morto, sem nada sentir, sem nada dizer. Existir é complicado. Essa tensão entre o sentir muito e não sentir absolutamente nada, entre as vozes que gritam coisas horrendas e o silêncio, não aquele silêncio desesperador antes da tormenta mas um silêncio, apenas isso. É uma forma de definir a morte. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário