segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Berserker

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Humanos miseráveis, sorrindo e gritando por aí como se fosse algo de importante por sobre a terra, não passam de simples animais, movidos pelas suas paixões mais baixas, pelos instintos mais primitivos. Não se diferem dos macacos que balbuciam ou de feras que se atracam no mato. Bestas, é isto que são! 

E ao ver homens tão baixos, que parecem não ter recebido a graça da educação humana, capaz de elevar um pouco essa baixeza onde se encontra, ao ver homens assim eu me encho de cólera. Vejo os homens bradarem aos céus clamando por vingança. Seres pequenos que, dentro de si, guardam grandes demônios. Olhe-se no espelho, no fundo de seus olhos e veja se há algo mais do que um imensurável potencial destrutivo dentro de si, um berserker pronto para partir ao meio o primeiro ser que cruzar o seu caminho. 

A minha carne queima como brasa e o meu sangue ferve de tal modo que verte-se em veneno. Uma sombra se aproxima de mim e me abraça, e posso sentir os tentáculos gelados da morte ao meu redor. O ódio aos poucos me consome e, olhando ao meu redor, eu começo a desejar que o mundo todo queime e se torne cinzas. 

Como podem ser tão baixos? Como podem trazer consigo uma racionalidade atrofiada e se comportarem como animais? É a isto que reduziu-se o homem? Eu tenho nojo do homem, a visão do homem me cansa. Estou cansado do homem. estou cansado desse animal que chafurda na lama em busca de um sentido para a sua existência, e sequer tem a coragem de olhar aos céus, buscando acima dele aquilo que não pode encontrar no lamaçal malcheiroso e pútrido de seus próprios sonhos caídos.

Antes fossem todos extintos, sem deixar sequer vestígios de sua passagem por esse mundo, não mais do que uma memória distante de seres inferiores que apenas sabiam cultivar o horror e o ódio entre os seus. Um ponto negro na história da existência. Um lapso errado da criação. 

Como pode o homem ocupar lugar tão dileto perante Deus? Como pode Deus se dedicar tanto a seres tão mesquinhos, tão horrendos. O homem não merece amor, o homem não merece sequer uma segunda chance. O homem merece apenas a dor, o sofrimento e a morte, algo que seja capaz de expurgar a maldade que se encontra em suas entranhas. O homem não é apenas o lobo do próprio homem, o homem é também a causa da destruição de todo o mundo, deixando seu rastro imundo por onde quer que passe.

O homem não merece perdão. O homem merece a morte, a desesperança. O homem deve voltar a inexistência, ao nada, ao menos voltar aquele útero primitivo que perdemos tempos atrás. As almas que se afobam devem preencher umas as outras, tentar atingir um grau de perfeição, algo que fuja a intrínseca malícia do coração do homem. 

Não há outro final possível. Não há outra forma de existir. O homem tornou o universo hostil e a humanidade tornou-se ela mesma inviável. 

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

(Augusto dos Anjos)

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