sexta-feira, 29 de abril de 2022

A prisão mais profunda

"Das profundezas eu clamo a vós, Senhor." (Sl 129)

Ontem foi um dia de grandes trevas em meu coração, como se o sol tivesse perdido a batalha contra a escuridão e o mundo tenha sido mergulhado na mais absoluta obscuridade. Eu não conseguia nem mesmo imaginar a luz, meu coração havia sido capturado pelos tentáculos gelados e me levado para as profundidades de um mundo de horrores que me levou ao desespero. Não consegui ver nem sequer uma centelha de luz, tudo era apenas frio e escuro, e nem lágrimas haviam em mim para que eu pudesse derramar. Os sinos que tocavam se silenciaram e eu fiquei em completo silêncio, nem mesmo meus gritos de desespero emitiam sol algum. De repente eu me vi cheio apenas de medo e incertezas. 

Incontáveis horas na cama, atônito, embebido em torpor, sem conseguir fazer nada  além de contemplar o imenso vazio para o qual me abri e que me engoliu, fazendo-me cair em queda livre sem nunca chegar a lugar nenhum mas sempre a descer, e quanto mais descia mais de mim deixava o meu ser. Fui perdendo pouco a pouco tudo aquilo que me definia e me diferenciava, como se escamas deixassem meu corpo, até que não restasse nada além de uma massa disforme, que já não era mais humana, apenas uma emaranhando de sentimentos conflitantes, pairando na escuridão de um infindável oceano, desse Ápeiron, que me deixa sem palavras ao ver que não há horizonte nem perspectiva de um fim. 

Das profundezas eu lancei as minhas preces, que subiram e desapareceram como a fumaça do incenso, e eu espero que elas tenham sido ouvidas, que eu possa ver novamente a luz, que eu não esteja perdido eternamente nessa prisão tortuosa, donde se grita mas ninguém vem acudir, donde se entra mas é quase impossível sair. 

E então tudo passou apenas quando eu finalmente consegui adormecer e me esquecer de tudo isso, foi quando meu corpo relaxou, acordando hoje num novo dia mas ainda com o gosto amargo da experiência de ontem. E por isso hoje não me restaram forças pra nada além de continuar deitado, esperando que algo aconteça para que eu saia desse torpor. Por isso hoje eu só clamo por mais sono, para que não seja novamente capturado por meus inimigos e lançado no Cocytos, onde as minhas lágrimas se congelaram e me aprisionaram nesse cenário de horrores que é o nono círculo do Inferno. 

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