sábado, 23 de abril de 2022

Terra Seca

'Cause I'm the beast and you are the... Beauty! (The Rose)

De repente parece que a quantidade de informações começa a colapsar a minha mente. O volume de coisas pra estudar, o bombardeio das redes sociais, tudo vai se acumulando numa velocidade mais rápida do que eu consigo processar, dai a mente mergulha numa escuridão, eu começo a ficar nervoso e preciso me isolar, preciso ficar sem contato com as informações até que consiga voltar ao normal. 

Isso acontece algumas vezes quando, por algum motivo, eu exagero no tempo online, e daí o fluxo de informações acaba me deixando meio catatônico. Foi o que aconteceu hoje, e é um sinal claro de que eu preciso diminuir um pouco o ritmo. 

O Instagram tem me chateado, e eu passo muito tempo lá. O contato exagerado com a perfeição de homens cuja beleza eu nunca vou alcançar tem afetado a minha autoestima. Eu olho para aqueles corpos perfeitos, aqueles sorrisos lindos e me sinto o pior homem possível. E eles estão por toda parte, esculpidos como anjos, sem imperfeição, e então eu me olho no espelho, podendo enumerar infinitamente os desmantelos que vejo, e então o simples ato de abrir a tela do celular torna-se uma tortura. 

Foi então que, sem aviso prévio, eu simplesmente quis fechar os olhos e desaparecer. As letras do livro que eu estava lendo perderam o sentido e se embaralharam, misturaram-se com as vozes do telejornal e as cores do bordado da minha mãe de repente me atacaram. O Instagram me derrubou e o Twitter terminou de finalizar. Muita informação, gente demais, com tempo demais, falando demais, como diz a música. 

Sabe, eu preciso ser sincero, as pessoas dizem que eu sou uma boa pessoa, que sou bonito por dentro, e eu sei bem que isso não é verdade porque conheço bem os meus defeitos e os meus vícios, mas pelo menos por fora eu queria ser bonito, pelo menos por fora eu queria ser como os modelos perfeitos que vejo na internet. Fico grato que me vejam assim, talvez não seja de todo um monstro. Mas queria ser agraciado como eles, os perfeitos, que foram presenteados com belas vozes, corpos esculturais, aparências encantadoras, mas parece que não mereço nada disso. Quanto mais vejo os anjos mais me convenço de que sou fera. 

E olhando em retrospecto agora eu percebo os motivos de ser tão pessimista, o mundo ao meu redor é muito feio para que eu acredite em algo bom de verdade. É por isso que quando me olho no espelho não vejo brilho algum, só vejo o retrato antropomorfizado da desesperança. É como se olhasse pra terra seca onde não pode mais nascer nada, e isso destruiu o sonho que eu tinha de ser um jardim florido. 

Bem sei que, se bem cuidada, até a terra seca pode dar flores um dia, mas quando eu penso no meu coração, quando me volto pra dentro de mim, eu sinto que nada mais pode nascer daqui. E o exterior está tão ruim quanto, na verdade acho que até pode ser reflexo do interior, já nem sei mais como essas coisas se retroalimentam. Só sei que anda tudo meio sei lá, e tudo tem me cansado.

Planejava cortar o cabelo, fazer a barba, quem sabe testar aquele novo produto pra pele que comprei semanas atrás, mas de repente eu desisti de tudo isso, enfiei goela abaixo um monte de comprimidos e estou esperando eles fazerem efeito. E isso tem se repetido cada dia mais. 

Antes pelos menos eles me inspiravam a escrever melhor, faziam parte da construção de um personagem bucólico, de um eu lírico que se baseava no próprio vício pra fazer sua arte, mas agora tornou-se apenas vício, não consigo tirar nada de bom daqui além da profunda experiência humana do sofrimento e da fragilidade da nossa vontade, humilhada pelo universo e sua indiferença essencial. 

Em alguns momentos eu sinto meu coração arder, bater mais rápido, e parece que um pouco de vida é insuflada nos meus pulmões, mas ela se esvai num expirar, e com essa mesma fugacidade a desesperança se instala em mim. Queria poder amar de novo, sentir um abraço apertado de novo. Logo eu que queria ser motivo de inspiração para os outros, perdendo toda a perspectiva de futuro, logo eu que vejo a beleza em todos me achando o mais horrível, logo eu que tentava ver o lado bom da vida em tudo, amar o sofrimento, não consigo fazer disso mais do que um discurso ascético bonito mas que, na minha carne, não se cumpre. 

Será que um dia eu serei um deles? Ou posso me contentar em morrer como um desconhecido, quase indigente, mero moral, fera, entre príncipes e deuses que estão por toda parte?

 Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

(Cecília Meireles)

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