quarta-feira, 6 de abril de 2022

Máscara

Em profundo desacordo comigo mesmo, como se vivesse duas vidas distintas, uma repleta de mentiras e teatro, uma máscara que esconde minha verdadeira face. Na verdade a minha face é a da desilusão, a que vê o mundo e suspira de tédio, é uma face de desesperança, que já cansada dessa existência espera ansiosamente pelo silêncio da morte, pelo retorno a inexistência. Só o que eu consigo imaginar é que eu gostaria de me enfiar num buraco e desaparecer, sem que ninguém me encontrasse. 

Os dias estão cada vez mais chatos, eu não consigo ficar muito tempo sem recorrer aos remédios, eu só queria que o sono deles durasse pra sempre. E tudo está uma bagunça, desde minha cama até o meu coração, e as pessoas continuam esperando organização de mim, e não percebem que minha mente já não aguenta mais nada. É como se ela se desfizesse entre meus dedos, reduzindo-se a cinzas e sumindo no vento.

Mas todas essas metáforas eu já sei de cor, parece também que não há nada de novo sob o sol, sempre os mesmos dias irritantemente entediantes permeados de conversas sem sentido e sem profundidade alguma, uma vida superficial que, no entanto, me arrasta cada vez mais para o fundo, para outra metáfora já conhecida, um abismo onde não há luz, apenas uma escuridão sufocante e cada vez mais profunda onde as pessoas já não escutam mais os meus gritos de socorro. 

Do outro lado do mundo eu caminho numa praia iluminada, uma música leve no fundo, sem vozes, apenas o som da maré se quebrando com delicadeza, a espuma dançando com a graciosidade de uma bailarina enquanto o sol toca minha pele como um amante me tocaria. Aqui não há abismo, mas esse mundo não existe, e eu sou lançado de volta para a garganta do demônio, onde o cheiro de enxofre e carne podre infectam o ar, onde não adianta gritar. 

Já não vejo graça nos dias, apenas espero chegar a noite para adormecer e me esquecer da existência, já não tento mais, já não tenho nenhuma esperança. E os outros continuam querendo me tratar como se fosse uma questão de escolha, eu não escolhi ser ou estar assim, a minha história me trouxe até aqui, onde tudo é cinza, assim tão frágil, vazio e sem contorno. Não há como me tirar desse torpor com a força da voz, simplesmente não sobrou nada em mim que seja capaz de lutar. Só posso esperar pelo fim, pelo momento em que tudo retornará ao nada. Aliás, já não me sobrou mais nada, eu não sou mais do que apenas um cadáver adiado.

"Estou muito tranquilo. Que venham os meses e os anos, não conseguirão tirar nada de mim, não podem tirar-me mais nada. Estou tão só e sem esperança que posso enfrentá-los sem medo. A vida, que me arrastou por todos estes anos, eu ainda a tenho nas mãos e nos olhos. Se a venci, não sei." (Erich Maria Remarque, Nada de Novo no Front)

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