Numa súbita tomada de consciência de mim mesmo, deitado no escuro ouvindo uma música romântica, e os músculos dos meus braços se retesaram como que para abraçar, mas não havia ninguém ali comigo, a cama fria e vazia, o meu quarto parecia exalar seu cheiro, mesmo eu sabendo que se tratava do meu próprio perfume, mas ele só me lembrava você, e seu sorriso tímido naquele dia, instantes antes da missa, com o céu cinza e barulhento, você encostado na parede cor de mostarda numa túnica preta.
Fechei os olhos tentando esquecer a sua imagem mas ela só se tornou ainda mais forte e clara. E então não só os músculos dos meus braços mas todo meu corpo se retorceu, e eu suspirei, num desejo silencioso, um clamor na noite escura. Estendi a mão e toquei o vazio ao meu lado, e foi aí que a sensação de solidão se tornou ainda maior, e eu me perguntando onde você poderia estar numa hora dessas... Outro suspiro, e com o ar quente saindo dos meus lábios eu desejei sentir o seu hálito em minha boca, tendo você under my skin, como diz a música.
Meu delírio luxurioso terminou brevemente, mas a sua imagem ficou, bem como o som doce do seu riso, e agora eu pretendo dormir e sonhar novamente com eles, já que apenas em sonhos eu posso realmente ter você comigo.
X
Lembro como a gente se deitava pra ver um filme ou simplesmente ficar conversando por algumas horas. Sempre gostei de deitar sob seu peito, ouvir os batimentos do seu coração, segurando firme a sua mão. Ali sorríamos, o tempo passava sem que a gente percebesse. Mesmo quando não dizíamos nada, apenas ouvindo a trilha sonora de fundo, algo como Maria Bethânia ou Tim Bernardes, nossos pensamentos voando entre o passado que nos feriu e o futuro que desejamos...
Mas você parou de compartilhar seu sofrimento comigo, e me trocou por outra pessoa, e de repente eu já não sentia mais seu coração, não tocava sua mão, você passou a se sentar longe de mim, perto dela, e ali tudo começou a se desfazer. Tomamos caminhos diferentes.
Eu agora procuro meu próprio caminho, recomeçar. Espero conseguir reunir forçar pra lutar lá, para encontrar quem eu sou e encontrar quem possa caminhar comigo.
Não é que eu queira ficar preso ao passado relembrando esses momentos, mas é que foram esses momentos que me trouxeram até aqui, não que eu esteja satisfeito com isso, mas é onde estou e de onde devo partir sem me preocupar com o que fica pra trás, levando no coração aqueles que ficaram nos momentos mais difíceis.
Guardadas as devidas proporções entre mim e um gigante como S. Tomás eu me vejo como ele, deixando tudo em Roccasecca rumo a Universidade de Paris, um caminho sem volta que permitiu a ele ser o gigante que é. É preciso seguir em frente sem olhar pra atrás, trazendo no peito os ideais de "Idem velle, idem nolle".
E no meu coração eu guardo agora apenas um desejo: o de ser o real protagonista da minha história. Não mais um auxiliar, alguém que fica ao lado e faz o melhor sem receber nem sequer um obrigado. Não que eu precise desse reconhecimento, mas é que a cada vez que passam por mim sem ver nada do meu esforço é como se eu não existisse. Mas também peço a graça de me contentar com o último lugar, aquele que ninguém briga para ter, mas mesmo ali, sendo eu mesmo, e não um fantasma.
Agora eu me imagino no chão, com espadas em minhas costas, que foram empunhadas por aqueles que se foram deixando em mim a dor lancinante de um buraco que se abriu no meu ser. Só desejo, de algum modo, me curar dessas feridas e fazer das minhas cicatrizes tatuagens que contém a minha história, dessa vez sem que outros me digam o que fazer ou que menosprezem a minha presença, que não diminuam a minha existência e o meu esforço em fazer algo quando não tenho forças pra mais nada mas que ainda consigo lutar ali, mesmo que ninguém veja.
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