quarta-feira, 27 de abril de 2022

Sonhos e Futuro


"Porque em minha mente nada dura... 
Há contos de fadas na minha cabeça, 
contos de fadas nos quais eu não acredito." 
(Henry Lau)

Numa súbita tomada de consciência de mim mesmo, deitado no escuro ouvindo uma música romântica, e os músculos dos meus braços se retesaram como que para abraçar, mas não havia ninguém ali comigo, a cama fria e vazia, o meu quarto parecia exalar seu cheiro, mesmo eu sabendo que se tratava do meu próprio perfume, mas ele só me lembrava você, e seu sorriso tímido naquele dia, instantes antes da missa, com o céu cinza e barulhento, você encostado na parede cor de mostarda numa túnica preta. 

Fechei os olhos tentando esquecer a sua imagem mas ela só se tornou ainda mais forte e clara. E então não só os músculos dos meus braços mas todo meu corpo se retorceu, e eu suspirei, num desejo silencioso, um clamor na noite escura. Estendi a mão e toquei o vazio ao meu lado, e foi aí que a sensação de solidão se tornou ainda maior, e eu me perguntando onde você poderia estar numa hora dessas... Outro suspiro, e com o ar quente saindo dos meus lábios eu desejei sentir o seu hálito em minha boca, tendo você under my skin, como diz a música. 

Meu delírio luxurioso terminou brevemente, mas a sua imagem ficou, bem como o som doce do seu riso, e agora eu pretendo dormir e sonhar novamente com eles, já que apenas em sonhos eu posso realmente ter você comigo. 

X

Lembro como a gente se deitava pra ver um filme ou simplesmente ficar conversando por algumas horas. Sempre gostei de deitar sob seu peito, ouvir os batimentos do seu coração, segurando firme a sua mão. Ali sorríamos, o tempo passava sem que a gente percebesse. Mesmo quando não dizíamos nada, apenas ouvindo a trilha sonora de fundo, algo como Maria Bethânia ou Tim Bernardes, nossos pensamentos voando entre o passado que nos feriu e o futuro que desejamos...

Mas você parou de compartilhar seu sofrimento comigo, e me trocou por outra pessoa, e de repente eu já não sentia mais seu coração, não tocava sua mão, você passou a se sentar longe de mim, perto dela, e ali tudo começou a se desfazer. Tomamos caminhos diferentes. 

Eu agora procuro meu próprio caminho, recomeçar. Espero conseguir reunir forçar pra lutar lá, para encontrar quem eu sou e encontrar quem possa caminhar comigo. 

Não é que eu queira ficar preso ao passado relembrando esses momentos, mas é que foram esses momentos que me trouxeram até aqui, não que eu esteja satisfeito com isso, mas é onde estou e de onde devo partir sem me preocupar com o que fica pra trás, levando no coração aqueles que ficaram nos momentos mais difíceis. 

Guardadas as devidas proporções entre mim e um gigante como S. Tomás eu me vejo como ele, deixando tudo em Roccasecca rumo a Universidade de Paris, um caminho sem volta que permitiu a ele ser o gigante que é. É preciso seguir em frente sem olhar pra atrás, trazendo no peito os ideais de "Idem velle, idem nolle".

E no meu coração eu guardo agora apenas um desejo: o de ser o real protagonista da minha história. Não mais um auxiliar, alguém que fica ao lado e faz o melhor sem receber nem sequer um obrigado. Não que eu precise desse reconhecimento, mas é que a cada vez que passam por mim sem ver nada do meu esforço é como se eu não existisse. Mas também peço a graça de me contentar com o último lugar, aquele que ninguém briga para ter, mas mesmo ali, sendo eu mesmo, e não um fantasma. 

Agora eu me imagino no chão, com espadas em minhas costas, que foram empunhadas por aqueles que se foram deixando em mim a dor lancinante de um buraco que se abriu no meu ser. Só desejo, de algum modo, me curar dessas feridas e fazer das minhas cicatrizes tatuagens que contém a minha história, dessa vez sem que outros me digam o que fazer ou que menosprezem a minha presença, que não diminuam a minha existência e o meu esforço em fazer algo quando não tenho forças pra mais nada mas que ainda consigo lutar ali, mesmo que ninguém veja.

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