domingo, 3 de abril de 2022

Outro Dia


A indisposição me capturou desde cedo, não queria sair da cama, não queria entrar na faixa de conflitos que se formava do lado de fora do meu quarto, tentei voltar a dormir algumas vezes mas a pressão dos compromissos me pesou a consciência e eu me obriguei a levantar. 

De cara já me lembrei da triste constatação de que não poderei dormir hoje o dia todo, pois já tomei remédios pra dormir duas vezes essa semana, o que significa que terei de encarar o hoje com a secura da realidade como uma lente em meus olhos. Odeio dias assim, pois eles passam com a lentidão de uma lesma, e eu sou forçado a suportar cada minuto como se uma a adaga me perfurasse o corpo, cada instante é uma longa tortura. 

Queria poder mais uma vez me entregar ao torpor do silêncio que ignora todo o mundo ao meu redor. Aquele mundo onírico é muito mais acolhedor do que esse aqui, a paz do sono profundo é incomparável com o incômodo que é essa vida, que é apenas uma oscilação entre a dor e o tédio. Queria voltar as trevas primordiais do caos onde tudo era silêncio e não haviam guerras e nem disputas por poder. 

Não queria ouvir bom dia ou ver a luz do sol, só queria continuar a dormir, sem previsão, sem expectativa para despertar. Por mim eu dormiria pra sempre num eterno exílio no mundo de Hypnos.

Não sei se terei forças para resistir, ainda agora o meu corpo clama pelo torpor, para voltar ao nada, cada fibra do meu ser implora pela tranquilidade daquele mar que se espraia infinitamente, e das tantas luzes que vão surgindo, numa paz, numa calma que ninguém estraga porque ninguém pode entrar nesse mundo que é só meu, ondem brilham as minhas cores. 

Qual a graça desse mundo? Qual a graça de estar desperto em meio a esse deserto, como se a qualquer momento tudo fosse desmoronar e se desfazer em cinzas? Nesse mundo não existe música que se compare com a daquele paraíso.

Minhas preces são silenciosas, e das profundezas eu clamo que me deixeis partir, que eu não seja obrigado mais um nascer do sol, o início de outro dia, de outro dia terrível. 

Agora já sinto meus sentidos se entorpecerem, meu olhar pesar, a música começa a fazer a minha mente rodopiar e ver belas imagens, bailes em que príncipes encantados de deslumbrante beleza dançam, jardins onde os casais caminham sem preocupação de mãos dadas, a vista de uma grande cidade iluminada por milhares de holofotes formando uma constelação construída pelo homem. Fecho os olhos por momentos cada vez mais longos, e cada vez mais sinto minha mão ser tomada por Oneiros, me conduzindo ao meu idílico paraíso de muitas formas. E então, como o ritmo já me conduz a uma cornucópia de sentimentos que acreditava estar bem no fundo do meu coração eu me despeço em direção a minha cama, donde espero não me levantar tão cedo, onde possa desfrutar desses mesmos sentimentos, e ver sua beleza brilhar como jóia, nos recessos mais obscuros do meu coração. 

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