quinta-feira, 28 de abril de 2022

Depois de acordar

A parte negativa de tomar remédio pra dormir é acordar e ver que a vida continua, ver que aquele momento de paz e absoluto silêncio acabou e que eu sou obrigado a olhar novamente para o mundo, voltar a ver as pessoas, voltar a pensar nos problemas, na insegurança, na ingratidão que há no coração dos homens. É ver que a lua logo vai dar lugar a luz do sol e que outro dia, outro dia terrível, logo vai começar, com todo o barulho que ele traz e a mesma sensação de estar sozinho no meio de uma multidão. Mesmo que eu nem saia direito do quarto há dias. 

Minha família faz planos, meus amigos tem sonhos e esperanças, e eu fico observando a todos pensando no seu amanhã, eu só consigo pensar no quanto gostaria de estar dormindo nesse momento, no quanto gostaria de não sentir mais nada e nem me preocupar com mais nada, porque minha capacidade de resolver o que quer que seja se esgotou. Eu sei que é muito cedo pra isso, mas eu não tenho como contornar essa situação. Quadros coloridos não me encantam mais e palavras de encorajamento são apenas vazias pra mim, tão vazias quanto meu peito. 

Queria ter a profundidade poética pra descrever melhor o que se passa comigo, mas nem isso eu sou capaz de fazer, sendo a única coisa latente em mim a incompetência. Falhei, em todos os aspectos da vida, e me encontro agora só, lamentando o que poderia ser e que não fui e sem forças para reagir e ser alguma coisa. E eu que falava da mediocridade com desdém me tornei pior que os medíocres, me tornei nada, abaixo do nível humano. 

Eu fecho os olhos enquanto escuto alguns clássicos da musica chinesa, e me vejo no alto de uma grande montanha, com um mundo inteiro se estendendo a minha frente, dezenas de outras montanhas encimadas por picos verdes acima das nuvens, um mundo belo e gigante, repleto de possibilidades. Mas, por alguma razão, eu não enxergo mais possibilidades na minha vida. Estou tão imóvel quanto aquelas montanhas. 

Não consigo achar uma razão para ser, só vejo o teto do meu quarto e imagino que o mundo lá fora continua correndo e eu continuo só, sem objetivos, sem algo que me faça querer sair daqui, sem crer que possa existir que faça valer a pena de viver. Eu só vejo intermináveis decepções, só vejo desilusões. 

E fico então me esforçando a descrever continuamente o vazio que me consome, que me faz sumir lentamente, mas sem nunca me deixar desaparecer de verdade, e a essa altura, tudo o que eu queria era desaparecer. 

Só me resta então voltar a me dopar e retomar para o meu recesso das nuvens, entrando num ciclo vicioso, cada vez mais preso, cada vez mais dependente a esse breve momento de paz, a esse breve momento em que o pânico não toma conta de mim, a esse breve momento em que eu sou feliz justamente por não estar consciente da miséria que é estar estar vivo, que é existir nesse mundo de hostilidades. Só me resta isso, nenhuma gota a mais de esperança. 

Uma vez mais do alto da montanha eu só consigo, tomado de horror por mim mesmo, pensar em me lançar daqui até lá embaixo. 

Me desculpe por ser assim, por ser tão fraco, por ser tão desiludido, mas eu não aguento mais, eu não consigo mais. Só o que posso pedir é Deus tenha piedade da minha alma porque, de resto, não vejo nenhuma esperança pra mim nessa vida. 

Eu só quero desaparecer, voltar ao nada, retornar a inexistência. Eu só quero morrer. 

"Realmente, minha vida se consome na amargura, e meus anos em gemidos. Minhas forças se esgotaram na aflição, mirraram-se os meus ossos." (Sl 30)

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