quinta-feira, 23 de junho de 2022

Caos e o Princípio da Ordem

Tentei adiar esse momento por mais alguns dias, queria ficar acordado por mais um tempo. Tem algumas séries que eu quero começar a ver, pretendo maratonar nos próximos dias e queria começar a fazer isso hoje, mas desde cedo eu percebi que minha mente estava com dificuldade de se manter fixa nas coisas. Acordei mais tarde que o normal mesmo não estando cansado e dormi durante a aula, mesmo sendo de grande interesse, me incomodei quando ouvi vozes e as pessoas na minha casa, e me incomodei mais ainda com o barulho. 

Eu só queria silêncio, um pouco de paz, mas não é como se o mundo ao meu redor tivesse ficado cheio de confusão, o que se tornou caótico foi meu interior, e nesse caos foi que eu me perdi, agora precisando buscar me recuperar na dopada candura de um sono prolongado. É sempre assim, e tem sido cada vez mais difícil ficar sem dopar quase todos os dias, minha mente se enevoando e a confusão se instalando no meu coração como se eu fosse me expandindo até perder os contornos, até deixar de existir.

Claro que essa é uma descrição superficial e pobre, ás vezes eu sinto como se passasse de novo por uma despersonalização, outras vezes eu só me sinto sobrecarregado com informações demais e a minha mente clama por silêncio e ordem. 

Saudades de quanto eu me dopava e daí então conseguia escrever coisas bonitas, muitas reflexões até profundas sobre a dificuldade do contato com o outro, sobre a melancolia, sobre altas questões da mente e do coração do homem. Agora eu só consigo aglutinar palavras muitas vezes sem nexo entre si, mesmo meu pensamento se estabilizando pouco a pouco eu sinto cada vez mais ser puxado ao caos, não o caos primordial, mas apenas estou de frente com a minha incapacidade de traduzir o que sinto em palavras. 

Penso em alguns homens que conseguiram traduzir experiências tão humanas e tão profundas de tantas formas diversas, seja numa epopeia dantesca como A Divina Comédia ou até mesmo o drama da alma humana em Tragédia Burguesa, ambos a sua forma traduziram e legaram ao futuro o que muitos de nós não conseguiríamos dizer. E hoje me vejo exatamente aqui, na penumbra do meu quarto, um pouco iluminado de verde pela luz que passa pelas cortinas, confuso demais para dizer o que sinto. 

Se fecho os olhos e tento descrever o que vejo enquanto escrevo, porque muitas vezes escrevo de olhos fechados enquanto me deixo levar pela música, eu apenas consigo vislumbrar uma miríade de objetos desconexos, num mundo sem muitas referências espaciais, que parece não ter fim, um retrato do caos. Mas ainda há um princípio ordenador em tudo isso: Eu permaneço eu mesmo, desde o princípio desse texto até o derradeiro ponto final. Mas que posso fazer eu nessa tempestade de loucura? 

Por isso eu disse que hoje não estarei sendo ninguém, porque mesmo sendo eu mesmo eu já não consigo dizer em palavras quem eu sou, e perdido desse jeito eu não tenho serventia, preciso organizar o mínimo que for antes de dizer ou fazer o que quer que seja, mesmo que seja uma simples maratona de séries dramáticas e românticas ou um curso sobre metafísica hindu ou a unidade transcendente das religiões. 

Preciso de ordem. E onde buscar essa ordem? Hoje eu só tenho uma resposta para isso, embora quisesse aqui poder oferecer algo mais substantivo, mas a realidade é que não posso oferecer o que não tenho, então me abstenho, não serei ninguém, até conseguir encontrar o princípio ordenador. Apenas tenho algumas pistas por onde começar...

"In principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum, et Deus erat Verbum. Hoc erat in principio apud Deum. Omnia per ipsum facta sunt, et sine ipso factum est nihil quod factum est;" (Jo 1, 1-3)

O Logos Divino no início de tudo, eis o princípio ordenador de toda a realidade. 

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