sábado, 4 de junho de 2022

Entre meus braços


Acontece que há entre meus braços um espaço vazio do tamanho do universo, e esse espaço clama por ser preenchido, meu ardente coração quer dar-se sem cessar e tudo o que eu queria nesse era não estar deitado sozinho, mas abraçando alguém com força, e ficar com ela sem dizer nada, apenas ouvindo os arpejos e trinados de uma série de peças para piano e violino que tenho ouvido nos últimos dias. Não tenho pensado em grandes coisas, antes disso, tenho apenas me concentrado em pequenos gestos, coisas que me faltam, e coisas que me fazer crer. 

Na verdade não há muito que eu possa dizer, é tão somente uma experiência que ultrapassa e muito os limites da minha capacidade narrativa, mas é uma experiência que mescla alegria e dor, que me faz adormecer sentindo saudades e acordar desejando não ter acordado. É uma experiência humana comum, todos experimentam a solidão mas poucos, e eu não sou um deles, conseguem fazer dessa experiência uma obra de arte. Acontece que, mesmo tendo em si essa potência sugestiva, as minhas palavras ainda são ingênuas demais e carecem da experiência humana real que poderia tornar-lhes mais verossímil. Me vejo então balbuciando, como criança, sem conseguir dizer o que se passa no meu peito. É como se, com uma pequena concha, tentasse retirar a água do oceano e colocá-la num buraquinho na praia. 

Adormeci há pouco com o peito aberto e uma ferida a sangrar, é como se eu olhasse para dentro dele e visse uma brasa viva, e uma fumaça leve se soltando dela, como incenso, conforme a brasa ia tornando-se cada vez mais e mais incandescente. E quanto mais ela brilhava dentro do meu peito mais eu arfava e suspirava de amor. Se eu fechasse os olhos podia sentir a sua mão tocando a minha pele, sua mão calorosa e que me transmite tranquilidade. Podia sentir a sua respiração e o aroma doce do seu hálito, podia ouvir o bater do seu coração, em dueto com o meu, como se estivessem interligados por uma linha invisível. 

Inconscientemente eu ergui a mão, como se esperasse tocar a dele, como se esperasse entrelaçar seus dedos entre os meus e então conseguir puxa-lo para mais perto de mim, mas a imagem da sua mão desaparecei por entre meu dedos. O meu coração ardeu ainda mais de amor, e todo meu ser se inflamou em ânsias apaixonadas querendo dar-se sem cessar. Baixinho eu sibilei entre lábios que eu também cantarei ao sair desse mundo morrendo de amor, elevando, como último suspiro essa prece, que a sua bondade me deixasse morrer de amor.

É sempre assim, o sonho com imagens vívidas acaba por se desconstruir em momentos esparsos e apenas trechos de lembranças e desejos. E até mesmo no sonho eu me sinto perdido, em busca de alguma coisa que eu não sei dizer o que é. Pois eu sei que esse vazio não pode ser preenchido por uma pessoa, embora muitas vezes pareça que ele tenha forma humana. Mas isso é porque eu tenho forma humana, mas o meu desejo é transcendente a uma perspectiva tão pequena, o que eu quero, mesmo não sabendo bem o que é, não pode ser me dado por mente ou coração humano, apenas pode ser transcendido em si mesmo, mas para isso pode precisar de ajuda humana, pois eu sou fraco, pequeno e sem valor. 

As imagens tornarem-se então misturas de várias cores, visões de constelações inteiras, estrelas que brilham com força, e uma imensidão que crescendo até não poder mais parecia expandir-se dentro de mim, fazendo-me arfar cada vez mais. Perdi então a visão do meu eu, não sei mais quem sou e nem como sou, apenas me tornei alguém que busca, sem nem saber o que se pretende encontrar, mas sabendo na realidade profunda: a Verdade que não se pode suprir colocando alguém no vazio, mas que, no entanto, não se encontra fora do vazio, sendo esse vazio a possibilidade universal de ser transmutado, o meu eu frágil, em Verdade ele mesmo.

E então eu acordei, e senti a mesma solidão de antes, os instrumentos da música no player travando uma batalha feroz numa coda que eu não esperava, e senti uma única lágrima escorrer pelo meu rosto, quente, numa pele fria. E quando eu me levantei ela se perdeu, no buraco infinito entre meus braços.

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