quarta-feira, 8 de junho de 2022

Da mentira

Meu ser encontra-se em ruínas. Não só não consegui dormir nada essa noite, ficando afetado pela falta de sono logo em seguida, como as brigas começaram cedo e pelos mesmos motivos de sempre: a infidelidade fruto da tendência do coração do homem para a malícia. 

Desde cedo somos tentados a tudo aquilo que mais nos aproxima do abismo, nossa vida é, ao chegar até certa idade, como dois opostos, estamos no fundo do poço a olhar o céu, para recordar as palavras de Fernando Pessoa. Nessa dicotomia estamos fadados a um terrível destino caso não aceitemos nos abrir ao que é verdadeiramente bom e busquemos a verdade com sinceridade de coração. 

Mas a mentira nos seduz, nos dá a falsa sensação de controle e poder, ela nos conforta em seus tentáculos ao passo que a verdade constantemente nos desinstala e nos faz buscá-la. A mentira é então abrigo para as almas covardes, que preferem a traição a aceitar aquilo que a realidade dita ante nossos olhos. 

E então nós, por escolha própria movida pelo medo da realidade, preferimos fechar os nossos olhos, e acusar o outro, de ser louco, quando nós é que resolvemos entrar na neurose de acreditar apenas naquilo que nossa própria mente cria, e então mergulhamos nesse mundo fruto da nossa imaginação, onde somos perfeitos, ou onde somos apenas vítimas de impulsos incoercíveis que, na realidade, nós não queremos enfrentar. 

Daí caímos cada vez mais em vícios, o pecado torna-se nossa morada, lançamos a alma no lodaçal malcheiroso e fingimos viver entre canteiros de rosas perfumadas, sem nos darmos conta de que estamos respirando puro veneno. 

A verdade é que estamos cegos, presos, e nós mesmos nos acorrentamos no interior dessa caverna e nos recusamos a ver a luz, nos recusamos a enxergar a verdade que está bem a nossa frente. 

Os humanos são realmente dignos de pena. 

"Estou começando a me convencer que não existo. Eu sou o espaço entre o que eu gostaria de ser o que os outros fizeram de mim. Apenas deixe-me estar à vontade e sozinho no meu quarto."
 (Fernando Pessoa)

Tenho tido cada vez mais dificuldade para encontrar palavras para vestir os meus pensamentos porque eles encontram cada vez mais tal grau de abstração que eu não consigo encontrar os correspondentes no mundo daquilo que posso dizer. Isso me preocupa pois pode significar que me encontro cada vez mais distante da realidade. Será que perdi, ou alguma vez a tive, a capacidade de enxergar as coisas como elas são e de enunciar o que vejo? O quanto me deixei ser impregnado pelo espírito de mentira que me cerca e que sei que também está em mim pela minha tendência ao pecado? 

Quero me reinstalar na realidade, enxergar e enunciar as coisas como elas são, por mais que isso incomode. Não quero criar mentiras na minha mente e me afogar nelas, quero apenas estar no mundo, sem perder a perspectiva da eternidade que a tudo transforma seu valor, e assim me juntar aqueles quem apenas em função da mentira. 

O que me preocupa é o bombardeamento de informações em doses homeopáticas que nos faz ter uma visão muito superficial do que acontece, seja lá qual for o assunto em questão. É preciso resgatar a capacidade de olhar os objetos com mais atenção, ter o critério dialético de ver a realidade através de prismas diversos que, sendo aparentemente contraditórios, revelam a complexidade do tecido da existência. Mas essa complexidade é tanta que é mais fácil nos refugiarmos nas mentiras que criamos. Assim fugimos das discussões, fugimos do esforço, ao passo que estamos ocupado com um volume absurdo de informações inúteis, ou até úteis, mas em volume tal que nenhuma mente consegue abarcar, ninguém consegue organizar, porque elas estão desconexas entre si que a sensação que resta é apenas a confusão geral, a ascensão do Império da Confusão e da Mentira. 

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