quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

A Vida feita pela Morte

Enquanto voltava para casa, um pouco mais cedo do que de costume na esperança de descansar um pouco, eu vi o centro bem mais movimentado do que vejo normalmente. É que volto pra casa no horário de pico, quando as lojas estão fechadas e os comerciantes todos suados, tristes e impacientes, tomam os ônibus num trânsito lento e irritado de volta para casa, onde vão descansar, fazer academia ou preparar a comida do dia seguinte para requentar no trabalho. 

E então vendo aquelas lojas cheias, com a música alta (de uma qualidade questionável, claro), me perguntei mais uma vez quando as pessoas normalizaram o fato de que devemos passar oito horas do dia trabalhando. Em alguns desses dias eu nem mesmo saio do escritório, ainda essa semana eu percebi que sequer sabia da forte onda de calor que atingia o país, não por estar numa sala com ar condicionado, que aliás está quebrado, mas por estar tão ocupado que nem me dei conta das calamidades que estavam acontecendo. Metade do país num calor absurdo, causando mortes inclusive, temperaturas jamais registradas, a Amazônia em chamas e o estado de Santa Catarina de novo embaixo da água por causa das fortes chuvas, centenas de famílias desabrigadas, cidades destruídas, estradas fechadas... E eu não sabia nada disso porque passo os meus dias inteiros respondendo pessoas que exigem imediatismo. 

Percebi que isso foi me afetando, também o fato de comer pouco na esperança de emagrecer, o que enfraqueceu meu corpo. Mas essa ansiedade generalizada, esse sentimento desagradável de que todos os problemas devem ser resolvidos imediatamente, tudo isso foi mais forte que a minha disposição em não me deixar afetar por essas coisas, e eu me vi doente, vomitando e fraco, e isso na semana que mais precisava de forças pra continuar. 

Ou talvez meu corpo finalmente esteja respondendo aos meus clamores pela morte, o que não seria ruim e abraçaria com terna alegria. Já que não encontro alegria nessa vida talvez a encontre na morte.

Mas então volto ao centro, e vejo aquelas pessoas aproveitando talvez o seu único dia de folga, e penso que eu, quando estou em casa, me sinto cansado demais para fazer o que quer que seja além de dormir ou assistir alguma coisa, o que faz da minha vida uma rotina sufocante e profundamente entediante. Eu trabalho, volto pra casa num ônibus suado e tenho disposição para ficar, no máximo, duas horas acordado ainda antes de dormir e levantar novamente para começar tudo de novo. Não vejo, em parte alguma, a vida que tantos falam que devo viver ou aproveitar. Como se faz isso? Quando se faz isso se até para ver o mar imponente se balançar na baía eu tenho preguiça porque estou sempre cansado demais?

No meio de tudo isso, me vejo fantasiando um romance inexistente, fantasia da qual há muito eu perdi o controle e só agora, depois de tanto me machucar e de tantas noites indo dormir aos prantos após me despedir e sentir, em cada mensagem, a verdade brutal de qual é o meu lugar no mundo dele, que entendi que é preciso que eu recoloque as coisas no lugar, numa arrumação que mais se assemelha com uma batalha selvagem entre duas feras, dois desejos primitivos: o de amar e o de sobreviver.

Quanto ao último, ainda que lute vigorosamente, dá sinais claros de estar em vias de morrer, a minha fera que luta para sobreviver está prestes a ela mesma morrer. Não o sabem, os de fora, que acabei de tomar uns quatro ou cinco remédios para dormir, e que até agora não fizeram efeito, mas que devem estar me destruindo por dentro, me deixando cada dia mais próximo da irmã morte, a quem tanto almejo a companhia, já que nessa vida me foi dado apenas o caminhar ao lado de sua irmã mais pálida, a solidão. 

Mas é preciso que pare de escrever por enquanto, devo dormir. 

Amanhã começa tudo de novo. Droga.

"Não sei quem quem foi que disse que a vida é feita pela Morte. É a destruição contínua e perene que faz a vida. A esse respeito, porém, eu quero crer que a morte mereça maiores encômios. É ela que faz todas as consolações de nossas desgraças; é delas que nós esperamos a nossa redenção; é ela a quem todos os infelizes pedem socorro e esquecimento. Gosto da Morte porque ela é o aniquilamento de todos nós." (Lima Barreto)

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