sábado, 2 de dezembro de 2023

Meus vícios

The Drinkers, Van Gogh

"Para tornar a realidade suportável, somos todos obrigados a alimentar algumas pequenas loucuras dentro de nós." (Marcel Proust)

Tenho recorrido bastante a isso ultimamente, em parte pelo profundo tédio existencial ou pela carência, permanente e extrema, que sinto. Todas as noites são como um refúgio longe das pessoas mas, ao mesmo tempo, uma tortura por estar sozinho, por não ter quem conversar, quem amar. 

Mas até esses momentos me fazem sentir cabisbaixo, com todos aqueles corpos perfeitos, com aquelas cenas que se multiplicam, de homens e seus amantes, como se todos no mundo estivessem acompanhados, felizes naquelas fodas incríveis, aqueles gemidos de satisfação, aqueles sorrisos de sacanagem pura, e apenas eu sozinho nessa cama a me satisfazer emergencialmente, sozinho e patético.

Eles aparecem em cenas criadas, muitas vezes sem contexto algum, e começam a se acariciar. Na maior parte das vezes apresentam um mais delicado, menor que o outro, que se põe a chupar vorazmente um pau de cabeça rosada enquanto ele mesmo se excita, pedindo para que cada centímetro daquele homem esteja dentro dele, não raramente imitando insegurança quanto a ser penetrado, enquanto o outro, de pau enorme, se prepara para meter sem piedade até que o outro peça por misericórdia, gozando juntos ou, gozando antes, lançando porra por todo o corpo ou na cara do outro em jatos desesperados e, depois, simplesmente esperando que o outro goze sozinho numa punheta rápida no chão, e terminando como começou, sem contexto ou profundidade alguma (além do corpo do passivo, evidentemente).

Esses rapazes, ávidos por sexo, só existem nesses vídeos. Ou melhor, a vida das pessoas é geralmente sem graça, a vida sexual ainda mais, com alguma exceções irresponsáveis mas, de todo modo, essas pessoas, insaciáveis, que unem uma boa foda com carinhos de gozo (literalmente), não estão tão afim de mim. Elas andam juntas, numa bolha intransponível, dando a aparência de que estão todas juntas e perfeitamente completadas nesse ciclo de troca de parceiros e gozando como cavalos nas caras uns dos outros.

Mas não estão. Tantos outros continuam solitários como eu, e continuam dizendo que procuram alguém, apenas alguém que os aceite e os ame seriamente, mas eles mesmos são incapazes de levar quem quer que seja a sério. E assim segue-se um ciclo de solidão. Todos sozinhos, todos querendo alguém. Todos cheios de solidão, todos idiotas. 

Mas eu também queria estar solitário entre eles, e não batendo punheta num quarto quente, torcendo que minha irmã não escute nada no quarto ao lado, enquanto ela mesma fode com o namorado novo. 

E então caímos nos vícios. Ah os vícios... Não faço uma ode a eles mas há que se concordar que algo nos vícios nos faz mais humanos, ou talvez seja porque somos humanos que caímos neles. De todo modo, independente do tratamento filosófico ou poético que se dê, os vícios servem para ajudar a sobreviver nessa porcaria toda.

Muitos bebem, fumam, se entopem de remédios para dormir (como eu), se masturbam, transam com prostitutas ou desconhecidos em barracos escuros e úmidos, apenas pelo prazer do momento? Acho impreciso, melhor dizer que é por uma fuga, porque talvez naquele momento, embriagados de alguma bebida doce e barata, ou quando os remédios começam a fazer efeito, ou durante um pornô gravado de modo caseiro em algum motel da Ásia, nesses instantes esquecemos as porcarias que nos cercam.

Esquecemos, ainda que brevemente, as dívidas que fizemos em compras idiotas, os colegas insuportáveis que deveriam aprender a ficar calados ou que deveriam ajudar mais no trabalho, esquecemos todo o percurso no ônibus cheio, quente e abafado pelo calor dessa época do ano que começa a ficar mais forte, dos idiotas que encontramos no caminhos e até dos que não encontramos. Do tédio das reuniões de família e dos longos dias sem fazer nada porque não tenho vontade de nada. Do garoto que não me respondeu e que eu demorei tanto tempo pra conseguir força de chamar... 

Nossos vícios são formas de fugir um pouco da nossa solidão. E eu devia parar de usar esse plural majestático ridículo: meus vícios são uma forma de fugir um pouco de minha solidão. A bebida é uma mentira, os remédios também, o pornô é uma mentira. A única verdade é a absoluta desolação do homem, miserável e patético que recorre a essas coisas para se sentir um pouco melhor, até pelo menos que elas passem...

Talvez eu devesse tomar mais uma dose pra enfrentar esse feriado da Proclamação da República (sic!), sem prestar atenção a nada... E quem sabe mais alguns remédios...

Sozinho com todo mundo

a carne cobre os ossos
e colocam uma mente
ali dentro e
algumas vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra as paredes
e os homem bebem
demais
e ninguém encontra o
par ideal
mas seguem na
procura
rastejando para dentro e para fora
dos leitos.
a carne cobre
os ossos e a
carne busca

muito mais do que mera
carne.
de fato, não há qualquer
chance:
estamos todos presos
a um destino
singular.

ninguém nunca encontra
o par ideal.

as lixeiras da cidade se completam
os ferros-velhos se completam
os hospícios se completam
as sepulturas se completam

nada mais
se completa.

(Charles Bukowski)

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