segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Conhecer e conectar, transcender

Maria perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?” (Lc 1, 34)

Em várias passagens bíblicas o verbo "conhecer" é usado como sinônimo de relação sexual, ou ao menos é o que nos parece à primeira vista. De fato o "conhecer" denota o ato sexual mas, nesse contexto, ele quer significar algo muito mais aprofundado do que isso. Nem é preciso pensar muito para perceber que o contato sexual foi banalizado de tal modo que o "conhecer" no sentido sexual pode muitas vezes ser tudo menos um conhecimento de fato.

E isso nem é uma crítica a forma como vemos o sexo hoje, já há bastante tempo o contato sexual está apartado de uma proximidade real para além do físico, o que acho interessante aqui é justamente a diversidade de significações que o mesmo ato pode ter. 

Deixa eu tentar me explicar melhor: desde a mera reprodução de escravos em orgias públicas no império romano, as relações entre homens dos exércitos de todo o mundo em todo tempo até as relações líquidas da nossa época ao contato profundo relacionado a todo o cosmo onde o casal participa do ato criador perpétuo do universo. 

Sobre a distinção das mais diversas experiências associadas ao sexo o Prof. Olavo já descreveu isso bem melhor do que eu jamais poderia fazê-lo no artigo Sexólogos Mirins (que você pode, e eu sugiro que o faça, conferir aqui e aqui a continuação). O fato é que essa expressão "conhecer" como sinônimo, mas não apenas isso, de relação sexual é uma excelente forma de apontar justamente a escala, a transcendência que a intimidade pode tomar.

Funciona mais ou menos assim, as diversas formas de se encarar o sexo e também o relacionar-se com o outro pode aumentar ou diminuir em impacto e profundidade (com todas as implicações semânticas e infantis que essas palavras possam ter aqui). Conhecer alguém de fato, aproximar-se dessa pessoa é, ao lado dela, compartilhar de uma experiência tão velha quanto a própria humanidade e que permite inclusive a continuidade dela. 

Conhecer é escalar um degrau de cada vez, aprofundar-se, tornar-se próximo, partilhar não somente momentos de alegria mas também de tristeza profunda com sinceridade, é testemunhar a evolução do afeto em amor que, por sua vez, e só aqui, se expressa e se encontra sexualmente participando então dessa experiência comum à humanidade, que tornam não apenas dois num só, mas um só com o todo de que fazem parte. O contato íntimo, onde um toca o outro por dentro tem algo de germinativo, profundo, que faz possível a vida, que faz brotar inclusive o amor usado como combustível para que exista uma segunda, terceira, quarta vez, e é assim e tem sido assim desde sempre. 

Tive apenas um lapso disso quando ouvi essas palavras no Evangelho da solenidade da Imaculada Conceição, e então percebi que, algo que já estava claro naquela época e já também naquela época havia se perdido, pois a Virgem Maria que não conheceu homem algum era contemporânea dos romanos que já praticavam toda sorte de experiências sexuais que fariam corar atores da indústria pornô da nossa época. O diferencial não está na relação sexual propriamente dita, ou nos movimentos que são feitos nela e que podem ser aprendidos vendo os vídeos certos na internet, mas na carga que ela traz consigo, podendo ser tão vazia quanto cumprimentar um estranho rua, e com efeito muitos de nós fazem sexo com estranhos na rua, ou ser a participação num movimento cósmico perpétuo, que contém e abrange todos os outros relacionamentos, traduzidos e condensados em duas pessoas que "se conhecem."

Claro que não posso deixar de comparar com algumas outras relações minhas, que encontram empecilhos em certames diversos. Há pessoas que julguei conhecer, ora, há alguns de quem sou próximo, mas não ficou claro ainda o quanto e outras que sei que, apesar da relação sexual, sequer sei o nome, ficando então todas aquém dessa dimensão elevada a que me referi, donde não poderia também deixar de concluir me indagando se sou, de fato, capaz de vir a conhecer alguém. 

Por isso eu decidi não terminar ou, ao menos não me esforçar em aprofundar mais, nessa reflexão, fecundada pela minha amiga Patrícia que me mostrou um cosmos inteiro de possibilidades com o realismo de quem viveu e vive a possibilidade universal do crescimento, do elevar-se. Mesmo você tendo pedido que eu fizesse uma a respeito das conexões que temos e que nos fazem conhecer alguém mais profundamente. Isso porque, já prevendo, sei que o fim me machucaria demasiado. Fazendo então um salto no assunto de que tratava, o conhecer ou conectar-se com alguém necessita de uma resposta de ambos, é preciso querer conectar-se, ou manter a conexão, só assim é possível que ambos possam subir os círculos concêntricos do amor e se aproximarem efetivamente. Mas é claro que certos umbrais causam medo, muitas vezes somos colocados de frente à realidade doloridas que tememos enfrentar e mudar e, por isso, nos recusamos a passar ao próximo nível, e aqui deve existir um respeito ao outro, não sendo possível obrigar ninguém a adquirir mais consciência de si e do próximo, cabendo a nós estender a mão, convidar a fugir da escuridão de nossas próprias ignorâncias, e oferecer a nossa luz.

Claro que, se a outra pessoa estender a mão em resposta as luzes de ambos podem vir a iluminar um mundo de potencialidades que elas podem vir a descobrir sozinhas. No entanto o medo encontra aqui uma posição favorável, já que não raramente a verdade costuma dar novo sentido aos sonhos que tínhamos não é? É por isso que, ao olhar para mim você não enxerga o futuro que sonhou para si mas, ao mesmo tempo e sem nem mesmo perceber, age como se estivesse construindo comigo. Mas quando eu lhe disse isso, assustei-o, e você recuou. Tudo bem, eu aceito, mas não me provarei da minha evolução. 

Assim como Gabriel ouviu o fiat de Maria. Gabriel que, diretamente do cosmos, das altas castas angélicas, anjo, espécie especialíssima sabia de tudo o que poderia acontecer com aquela Virgem que casara com José, mas que em vista do seu medo não a obrigou, a acalmou com a sua Divina Presença, mas esperou paciente, voltando aso céus anunciar que todos deveriam alegrar-se com o Sim da Mão do Filho de Deus, que doravante seria chamada Bendita entre todas as gerações. Assim eu devo acolher a sua resposta, que não é a mesma da Virgem. Mas eu acolho, entendo seu medo, mas isso não vai me impedir de seguir o meu caminho.

“A maioria dos homens persegue o prazer com tanta impetuosidade que passa por ele sem vê-lo.” (Soren Kierkegaard)

Nenhum comentário:

Postar um comentário