domingo, 31 de dezembro de 2023

Ano Novo

O meu coração fica sim apertado de saudades, nós dois sabemos, eu acho, o quanto você é importante para mim. Mas eu sei bem que, enquanto eu penso, o mundo todo é um parque para você e, contemplando as paisagens do interior você imprime nelas a sua própria vontade, o seu sonho de, um dia, numa casinha branca de varanda, passar esses dias de Natal ao lado de sua esposa com as crianças ao redor da mesa. 

E ainda me perguntou se eu poderia um dia compor essa paisagem impressionista de doces idílios. Não pretendo viver tanto, e se viver, contra minha vontade, espero estar distante para não me machucar com o que, mesmo sendo apenas uma imagem, já é como se você cortasse minha carne com aço frio. Mas tudo bem, entendo que é seu sonho, eu só não faço parte dele. Eu não faço parte de nada.

Mas sim, eu sinto sua falta. Mesmo lembrando que, naquela madrugada, enquanto eu quase em prantos dizia o que sentia, você se preocupava com a filoteia. E fiquei acordado a noite toda, sem conseguir pensar em mais nada, como faço todas as vezes em que sinto sua falta... Não espere que multiplique essas palavras. Embora meu coração saiba que quer gritar, eu sei que não adiantaria, então, quando retornar, dos belos campos, espero que meu silêncio lhe baste, já que meu amor não bastou.

X

"Então vozes ouvi; me parecia,
Que paz, misericórdia suplicavam
Ao Cordeiro, que as culpas alivia."
(Dante Alighieri)

Não vou desejar um feliz ano novo para ninguém. Seria feliz se não houvesse ano novo, se tudo acabasse à meia noite, se nos sobrecaisse uma escuridão e tudo voltasse ao nada! Mas amanhã tudo recomeça, com a essa impressão de que algo de novo se dará, que as vidas mudarão, que se abrirão uma longa lista de possibilidades; Mas, não se enganem, e ouça-me bem querida, preste atenção, o mundo é um moinho. Esse ano que se inicia vai se aproveitar de cada expectativa otimista para, justamente, triturar seus sonhos e reduzir suas ilusões a pó.

Não é um novo ciclo que se inicia, é apenas a longa roda da tortura que torna a girar, com a espada do destino ameaçando cair a qualquer momento. 

Vou para a Missa, chego e tomo uma boa dose de caipirinha e torço pra não acordar com o barulho dos fogos. Não crio expectativa nenhuma, assim evito as decepções, e espero o pior. E o mais que faço não vale nada. Realmente seria bem melhor se, ao invés de um novo ano de solidão e de trabalhos sem propósito, se eu conseguisse ver sentido em algo, ou que não houvesse um novo ano. Quem sabe, pela misericórdia, eu não acorde no primeiro dia de janeiro.

Muitos pedem então, sejam em preces a Deus, aos orixás, ao universo ou ao que quer que seja, um ano de paz, prosperidade, um ano de conquistas. Muitos esperam por dinheiro, uma melhoria nos empregos, por aquele amor dos sonhos... E enquanto isso, observando a procissão de almas brancas, eu só consigo, suplicante elevando os olhos a vós, ó Pai, fazer uma prece silenciosa de que não chegue o amanhã e o novo ano. E, por isso, não vou desejar um feliz ano novo para ninguém. Seria feliz se não houvesse ano novo, se tudo acabasse à meia noite, se nos sobrecaisse uma escuridão e tudo voltasse ao nada!

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço porquê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...
(Álvaro Campos)

Nenhum comentário:

Postar um comentário