sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O meu requiem

"Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento."
(Vinícius de Moraes)

Não sei se você já fala assim comigo por costume. Tem algum fundo de verdade nas suas declarações de amor eventuais quando se despede de mim? Você realmente me ama ou apenas o diz por carinho e afeto, e todo o amor que sinto advém de uma interpretação errônea movida pela minha carência e pelo sentimento que eu tenho por você? Aliás, sequer faz alguma ideia da quantidade de palavras que brotam do meu coração e que são como uma infindável fonte de declarações? Às vezes me parece que eu gosto mais de você do que de todas as outras pessoas, e gosto mesmo, porque acho que a grande maioria das pessoas são apenas um desperdício de espaço a da minha paciência... Mas também sei a verdade, e sei que meus sentimentos por você também podem ser considerados um desperdício...

Há dois dias não vou ao trabalho, acredito ser o início de uma estafa, tenho estado bem mais cansado que o normal e praticamente não tenho conseguido nem ficar de pé direito. A alergia me pegou de jeito, dores por todo o corpo, a voz sumiu e sinto como se tivesse atravessado a nado a bacia do rio Amazonas ou desmatado a tapa toda a floresta que o rodeia. Estou acordado, realizando funções, mas ainda sem a capacidade de discernir uma pessoa de uma cômoda. 

Preciso descansar, isso é fato, mas mesmo que eu durma por dez ou doze horas parece não ser o bastante, no dia seguinte o meu corpo continua tenso, a minha mente começa a girar rapidamente e, várias vezes, me surgem rompantes de choro ou de desespero que preciso segurar, que preciso engolir. E a paciência se esvai como fumaça ao vento, a força nos membros não existe mais e o semblante permanentemente cansado, exausto, absolutamente exaurido. 

Pretendo dormir o resto do dia, sim. Pensei até em deitar na sala, com as portas abertas e sentindo o vento fresco do mar aqui perto passando por mim, mas acho que o quarto é mais adequado. Gosto, ou necessito, de ficar deitado por horas, mesmo durante o dia tiro algum tempo para deitar, no chão do banheiro que seja, com um lençol, cobertas ou um pano qualquer na cara. É bom ficar assim, nada acontece ali, nenhuma pessoa, nenhum amor não correspondido. Nada. 

Penso agora, brevemente antes da dose cavalar de remédios para dormir fazerem efeito, o quanto as pessoas são frágeis e se ofendem por pouco, enquanto aquilo que é importante lhes escapa pelos dedos. Tudo isso parece abstrato né? Deixe-me ilustrar com algo tanto mais palatável:

As pessoas normalmente se reúnem para ter ideias para as missas mais importantes. Surgem sempre então pessoas fantasiadas de santos, encenações, dancinhas toscas, tudo ao som de alguma musica sentimental daquela banda horrorosa que eu prefiro não mencionar o nome... Tudo aparece nessa hora menos, é claro, as instruções, orientações e até mesmo as proibições oficiais. Tudo é feito de modo a "atrair mais pessoas" para a igreja mas justamente tratando as pessoas como idiotas com teatrinhos e brincadeiras baratas. A seriedade, a solene sobriedade da liturgia é deixada de lado. O importante é considerado prejudicial e, o que nem deveria ser questionado, é colocado como o mais importante.

Finalmente aconteceu, o dia que não teria mas forças para nada e, quando olho na direção dele, buscando uma luz, não vejo mais do que escuridão silenciosa e solitária. Depois de dormir por dias inteiros eu percebi que meu problema não era um simples cansaço que poderia ser resolvido descansando, é bem mais sério do que isso e eu não sei o que posso fazer para mudar. Não é cansaço, não é a necessidade de novos ares, tampouco acho que seja apenas a depressão. Pode ser tudo isso ou nada. Eis a minha estafa, talvez o primeiro movimento do meu requiem.

Mas, mudando de (ou voltando ao) assunto...

Suponho que as partidas serão cheias de euforia pela comemoração, e nas várias horas em que eles estarão absortos em seus jogos e seus prêmios, ele pensará em mim, no que eu estou fazendo? Eu me odeio tanto por isso. E como eu daria tudo para não sentir nada mas continuo aqui, sentindo, e sentindo muito, e repetindo, ao mesmo tempo em que tento abafar a voz que grita, louca e desesperadamente que te amo. 

Eu te amo, 
eu te amo, 
eu te amo!

Eu te amo...

Eu... 

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