sábado, 23 de dezembro de 2023

Cartas perfumadas

Arrependimento, Morteza Katouzian

Alguém disse que é atento aos detalhes, eu também. Percebo em sutilezas o que querem me dizer e não têm coragem. Mas, pouco a pouco, eu me coloco em meu lugar. 

Vejo que a maior parte das pessoas não sabe o lugar delas. Elas não se tocam que devem se calar ou não se meter quando ninguém perguntou, se intrometem e julgam o que não tem porra nenhuma a ver com elas. Pessoas assim são um saco de conviver pois, estando elas mesmas num lodaçal fedorento, se julgam do alto de um trono olímpico capazes de dizer a todos o que fazer. 

Também percebo isso na sutileza daquilo que não dizem, mas fazem. E isso às vezes me deixa confuso, sabe, quando aquele rapaz é pessoalmente simpático mas virtualmente parece incapaz de continuar uma conversa comigo... E pode ser apenas por inépcia em manter ou fluir um assunto, já que pessoas muito novas tendem apenas a saber falar muito sobre bobagens, mas de todo modo isso me deixa confuso e decidido a não falar mais com ele, mas aí nos vemos no dia seguinte e, mesmo sendo um domingo frio e preguiçoso ele sorri na minha direção e eu me derreto todo. 

Em outros tempos em escreveria longas cartas, talvez numa caligrafia caprichada e um papel rústico perfumado, e não as enviaria, ou talvez continuasse enviando mesmo sabendo que não receberia resposta. De todo modo, sem caligrafia ou papel, continuo escrevendo palavras que, dia após dia, ainda são longas cartas de amor, que nunca recebem resposta senão nas sutilezas que vejo. 

Muitas vezes a resposta desatenta dada a outros é a resposta que daria a mim. O que você disse aquele moço desatento que se atreveu a flertar com você. Aquela resposta foi, senão para mim diretamente, o que sim eu acho que foi, ao menos um aviso de que, se cruzasse certa linha, um dia serei eu a receber um fora bem dado e, diga-se, merecido. 

Por isso então é melhor que apenas essas páginas, não amareladas pelo tempo e sem o meu perfume mas completamente ébrias dos meus sentimentos, recebam as letras escarlates de meu afeto. Não há muito que eu possa fazer. Seja no silêncio ou nas respostas captadas por tabela, eu vou compreendendo, cada vez mais, que o meu lugar é sozinho, suportando tudo isso. Sem bravura ou heroísmo, eu sou só o homem fraco, gordinho, com o sangue cheio de remédios e álcool. 

Uns passam por
tudo isso
com uma certa
quantidade de
eficiência e
bravura
e então
vão embora

Alguns aceitam
a possibilidade de
Deus 
os ajudar a suportar

Outros
aguentam o tranco

E para estes

Eu bebo esta noite.

(Charles Bukowski)

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