sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Na corte de Paris

"Tudo aqui é realmente espetáculo, comparação e instrução." 
(Honoré de Balzac)

Me recordo de ter ido dormir na esperança de que a dor de cabeça passasse e, na manhã seguinte, acordasse estabilizado mas, embora tenha sido um despertar mais tranquilo não foi completamente estável, senão que agora, nessa manhã absurdamente abafada, enquanto fico embaixo de um ar condicionado brutalmente frio, sinto minha face doer, num misto de sinusite incômoda e de uma depressão insistente. 

Nesse momento pessoas sorriem na minha frente. Um grupo de caras usando camisa branca e shorts pretos de malha leve no que parece ser uma conversa pouco mais interessante que uma convenção de direito tributário. Um em particular me chamou atenção pelo físico avantajado: o peitoral forte salta pela camisa com estampa de restaurante franco-chinês e me captura o olhar, sendo um dos mais belos par de costas que já vi, sério ele poderia abraçar dois de mim e ainda sobraria espaço... O rosto forma um contraste com o corpo, é doce e ingênuo, de um sorriso meigo e quase infantil. Mas é claro que ele sequer olhou pra mim e, se olhasse, não veria mais do que um espécime inferior, que ele jugaria digno de olhar apenas se frequentasse academia na mesma frequência que ele. 

Não ironicamente na perspectiva de ser julgado negativamente por ele eu mesmo incorro no julgamento. Acho que tenho estado tão habituado a miséria moral que me rodeia que, mesmo abominando isso, acabei por me tornar um arremedo moral, disforme e de hipocrisia crescente. 

E fiquei então olhando para aquelas pessoas, seus sorrisos, as construções de tantos personagens bem ali diante de mim. Duvido muito que eles tenham lido alguma página realmente interessante de poesia. E, no entanto, todos estavam ali supostamente para celebrar a poesia. Não irônicamente nenhum verso foi declamado, nenhum poeta citado. As fotografias daquele livro eram mais poéticas do que os versos que sao resultado dos relacionamentos fracassados do autor. Bom, ao menos ele consguiu plasmar algo pelo menos parecido com poesia, a arte não morreu de toda, embora essas pessoas aqui na minha frente pareçam mais uma procissão de mortos ou de artigos de museu.

E que tédio ter de sorrir o tempo todo, falar como se todos fossem interessantes. Se me pergunto qual a maior realização de alguém ali eles respondem com seus cargos, com suas articulações sociais. As suas personalidades são cindidas, não são pessoas completas, são pessoas que trabalharam nesse ou naquele orgão e que, por conhecer essa ou aquela pessoa, se tornaram de algum modo importantes. Mas ainda não consigo entender ou enxergar o que fizeram. 

É que existe diferença entre ser alguém com um propósito realizado ou, ao menos, intentado e alguém que simplesmente conhece outros alguens. Que desgraça!

Não tenho como disfarçar o descontentamento e o olhar distante. Será que as pessoas já chegaram a ouvir sequer um único ato de alguma ópera ou balé? Já terão lido uma página eterna que não para citar a alguém antes de enfiar o pau nessa pessoa? Ou só vãos aos teatros pelas conversas nos intervalos e nos jantares que se seguem e só acumulam frases esparsas dos livros, sem que elas lhe construam a personalidade. Só estão ali pela eterna e repetitiva celebração. Do que? Não sei dizer, mas celebram algo e, pela alegria com que o fazem, foi realmente grande. 

Tomando então a frase do poeta, "eu os olho com os olhos lassos, e há nos meus olhos ironias e cansaços e cruzo os braços!"

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