terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Entre uma angústia e outra, um café

Sunlight in Cafeteria, Edward Hopper

"Alguém com quem se dá a volta ao mundo à mesa dum café." (Mário Dionisio)

Lacan disse que "a angústia é o único afeto que não mente", onde há angústia há uma verdade invertida do desejo mais profundo. E me ponho a refletir então sobre a minha constante, exaustiva e exímia escritora, solidão. Dessa angústia que provém do medo de ficar só, de aceitar tantas coisas que não quero para ter como me aproximar de alguém, seja do rapaz que nem olha para mim ou simplesmente daquela moça que pareceu gostar de conversar comigo. 

Angústia que nasce do medo do desaparecimento caso não encontre a validação no outro. E com isso suporto todas as coisas que não queria suportar. O outro que fala alto, que implica, que se estressa por nada, que vive de aparências no sentido mais leviano que isso possa ter. Me encontro buscando validação dessa gente onde os meus valores mais profundos, a busca do conhecimento, do entendimento da situação real, da instalação na realidade, não vale nada, são, antes de qualquer coisa, papo furado, já que o que importa são as garrafas de vinho no fim de ano, ou qualquer outra coisa... 

E em mim permanece a angústia, o desejo pela companhia real, que quer as mesmas coisas e rejeita as mesmas coisas, que queira a intimidade simples de um filme e uns doces, de umas músicas observando o céu, um passeio de mãos dadas no parque, um beijo de boa noite e um abraço de bom dia. E todas essas cenas são carregadas de angústia. Carregadas dessa verdade, o medo do desaparecimento pela não validação do outro, que se expressa no desejo desesperado e angustiado do outro. 

X

"Ela era o mar e eu o rio que nele desembocava. Era uma estrela e eu outra que marchava em sua direção. Encontrávamo-nos e nos sentíamos mutuamente atraídos, permanecíamos juntos e girávamos felizes por toda a eternidade em círculos muito próximos e vibrantes, um ao redor do outro." 
(Herman Hesse)

Decidi que ia ficar em silêncio, e já perdi a conta de quantas vezes disse que iria fazer isso. Mas logo você voltou a falar, e eu não pude me conter em despejar palavras e mais palavras. E aí você disse que me ama, e eu percebi que não tenho nenhuma força capaz de resistir a você. Mas eu sei que quando diz que me ama não é o mesmo que quando digo que te amo, ou talvez seja e você não aceita mas, até então, quem não aceita essa verdade sou eu, e então me pergunto e fico irado, inconformado que as coisas sejam assim, que estejamos distantes, que trabalhemos tanto, que fiquemos sempre cansados, que a liturgia seja horrível, que os amores não se encaixem, que o mundo nos sugue tão impiedosamente, que tantos pareçam viver e outros apenas sobreviver sendo que eu nem mesmo consigo encontrar uma razão para isso. Naquele momento que você disse que me ama eu pensei, brevemente, que poderíamos ficar juntos, até que as areias da realidade caíram como tempestade por esse idílico jardim de meu amor tão almejado e que nessas palavras trago esboçados. Meu amor é como o grão dessa areia que voa pelo vento sem rumo e sem que ninguém o note, desaparecendo da vista e nunca mais retornando...

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