segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

A primeira manhã

Foto: Igor Murilo

“Ninguém é maduro de verdade até que tenha enfrentado sua própria solidão!” (Joseph Ratzinger)

É com essa frase do então bispo de Munique, que mais tardi viria a ser o grande Bento XVI, de feliz memória, que inicío a minha primeira reflexão do ano. Isso porque, enquanto pululavam na internet as fotos de pessoas com suas famílias e amigos, eu mergulhava na mais profunda solidão. Tudo o que via era uma profunda noite escura, que não se iluminou nem por um instante, nem mesmo com os fogos coloridos que as multidões usaram para aclamar a virada do ano.

Eu, no entanto, estava em completo silêncio. Não havia música, nenhuma notificação no celular, meus sentidos estavam levemente entorpecidos de álcool e tudo que ouvia era o barulho distante, algumas risadas ou carros passando longe e, mais tarde, o estampido dos fogos. 

Até pensei em abrir uma cerveja ou vinho, mas fiquei com preguiça. Fechei a cortina pra não ser incomodado nem pela luz da rua, bati uma punheta, virei pro lado e fui dormir. Acordei por breve instante à meia noite, mandei um "Eu te amo" para garantir a primeira humilhação do ano logo no primeiro minuto e dormi de novo, sem nem mesmo sonhar estar ao lado de alguém. 

O país inteiro estava bêbado. Eu só posso tentar criar uma imagem agora, por um esforço imaginativo, do que eles poderiam estar fazendo mas, apesar de toda imagem, apesar de um deles ter tentado tomar a maior quantidade possível de álcool na contagem da virada, eu sei que não sou aquele que estava em sua mente naquele momento. Eu não estava na mente de ninguém, e acho que nem mesmo na minha, já que tudo o que eu queria era ficar bêbado e dormir o mais rápido possível. Abri um pouco a janela para sentir a brisa fria nas minhas costas.

Já aceitei minha solidão de modo tão profundo e definitivo que nem mesmo em sonho me iludo com essa possibilidade. E foi com esse coração fechado que acordei, na primeira manhã de 2024, nublada e fresca, e me arrumei lentamente para a Missa. 

Subi ao altar usando uma túnica branca, e passei as páginas do missal com diligência (percebi que alguns me olharam como se aquilo fosse algum mistério inefável mas, eu as olhos com os olhos lassos e acho que o objetivo de suas vidas é que me é inefável), tornei a voltar para casa, sentado ao lado de famíliares que nem se esforçavam em esconder o fato de que não estamos no mesmo mundo e que só nos submetemos a esses raros encontros anuais por alguma obrigação moral nunca questionada mas nitidamente odiada por todos. Durante o tempo todo eu quis sair dali e dormir, até que ficou tarde demais para isso, e decidi que na verdade vou virar a noite vendo uma série, verdadeira companhia, e dormir o dia todo amanhã, talvez após algumas aulas do curso de catecismo que tenho feito. 

Por sorte me sobraram algumas latas de caipirinha na geladeira. Eu devo ser realmente um cretino, colocando citações de autores tão opostos quanto esses dois. Mas o que eu posso fazer se essas coisas se cruzam na minha mente, e se nada mais me importa?

"Um dia eu simplesmente me levantei e cai fora. Simples assim. E quando comecei a beber sozinho achei minha própria companhia mais que satisfatória." (Charles Bukowski)

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