sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Histórias e seus heróis

Último dia de férias. Luto absoluto, como se minha própria mãe tivesse morrido. E nem é pelo trabalho em si, que aliás acho difícil imaginar como eu conseguiria coisa melhor, sinceramente. Mas é pela continuidade. Esses dias de férias significam meio que uma pausa, uma não existência antes de voltar e, eu me lembro de ter desejado profundamente, com toda sinceridade de alma, que eu não chegasse com vida a esse ano. Conforme se aproximava a virada eu me lembro da tristeza profunda que me tomava de conta, do silêncio angustiado, dos males que saturavam a minha alma, e minha única prece era de morrer antes que se iniciasse um novo tempo, antes que esperassem mais de mim, antes que me pedissem por mais...

Sei que isso é apenas uma demonstração de fraqueza, de um espírito que já se deixou dobrar. Isso não é novidade. Carne, sangue, espada e alma, tudo isso já foi completamente esmagado, não sobrou mais nada. E não me importo que vejam essa fraqueza, que já não sou mais homem e sim um farrapo a redemoinhar ao vento. O que me incomoda é que as pessoas não enxergam isso. Elas riem de mim achando que isso é um drama qualquer ou que, por sorrir, isso são apenas palavras vazias, mas eu digo categoricamente: essas palavras são meu verdadeiro eu.

Isso é uma verdade profundamente arraigada no meu ser. E cada vez que alguém me diz como devo viver a minha vida, como devo comer ou parar de beber, tudo isso não passa de um grande incômodo. Isso porque essas pessoas não entendem que, na verdade, eu não tenho nenhum interesse em viver mesmo. A vida para mim é apenas uma enorme chateação, e a morte não fica atrás. Viver é um saco, morrer é um saco. E todos os conselhos das pessoas que me rodeiam é um saco. 

E claro que, quando busco em alguém algo que possa ser um acalento nessa perspectiva tão fria, bem... Digamos que já estou acostumado com o silêncio, e por isso eu preciso parar de falar aos outros sobre isso, preciso porque essa experiência humana profunda, essa aridez absoluta fruto do meu pecado, isso os outros não podem entenderm, não podem sequer tentar compreender.

Me recordo então brevemente daqueles grande nomes que se marcaram na história. Alexandre, Aquiles, Aristóteles, tantos santos... Nomes que corresponderam ao seu espírito e que, enfrentando as consequências, as mortes e as maledicências, ficaram. Os anos passam, os séculos passam e eu, incontáveis gerações depois, ainda leio sobre seus feitos, sobre sua coragem, sobre sua busca pela salvação, pela verdade eterna e sublime. Esses nomes ficarão não importa quanto passe. 

Não apenas o meu nome não será lembrado nem mesmo pela próxima geração, ainda em vida eu já sou apenas aquele pobre carregador de flechas que, ao lado de um grande guerreiro que nem sequer soube meu nome, e que acabou por ser atingido por seta inimiga, sendo pisado e coberto de terra e poeira, esquecido nas areias do deserto. 

Já estou, no entanto, acostumado com o silêncio das pessoas quando digo isso a elas. Que nessa vida existem aqueles heróis que viverão eternamente em nossas histórias, e existem aqueles que terão uma memória tão breve quanto uma brisa na praia. Eu sou apenas pequeno grão. Também estou acostumedo com seu silêncio. Você sempre me deixa assim, sozinho, sem resposta clara. 

Recomeço, infelizmente, sem forças, sem vontade, sem ânimo... Carne, sangue, espada e alma, tudo isso já foi completamente esmagado. Viver é um saco, morrer é um saco. E todos os conselhos das pessoas que me rodeiam é um saco. 

Eu não sou um herói como Aquiles, nascido de uma deusa e banhado nas águas sagradas, de pés velozes e com um destino a escolher: casar-se e ser feliz e lembrado até os filhos de seus filhos ou morrer pelejando na guerra e ser lembrado pelos séculos vindouros: eu sou um homem patético, tateando no escuro. Não tenho um exército para derrotar, não luto pela minha honra, eu apenas sou um moribundo condenado, entre o niilismo e a angústia metafísica. 

Aquiles exitou entre a vida tranquila e a glória eterna da guerra, entre o que lhe seria dado de bom grado e o que ele precisaria lutar para marcar-se nas areias do tempo. Ofereceram a Aquiles o futuro, a vida eterna ne mente dos homens de coragem. Hoje eu já pensei em me matar três vezes, e tomei uns seis remédios para dormir diferentes.

É tão inconcebível tentar compreender Deus? Por que Ele se esconde em promessas e milagres que não vemos? Como podemos ter fé se não temos fé em nós mesmos? O que acontecerá com aqueles que não querem ter fé ou não tem? Por que não posso tirá-lo de dentro de mim? Por que Ele vive em mim de uma forma humilhante apesar de amaldiçoá-lo e tentar tirá-lo do meu coração? Por que, apesar de Ele ser uma falsa promessa eu não consigo ficar livre? Você me ouviu? (O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman)

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