sábado, 27 de janeiro de 2024

Morte interior

Supostamente estou mais descansado hoje e, por esse ângulo, eu deveria estar mais apto a avaliar os últimos dias sem a interferência do cansaço extremo, o que possibilitaria uma visão tanto mais colorida ou menos irritada, mas não foi o que aconteceu, pelo contrário. Quanto busco no meu peito algo de bom continuo sentindo a mesma aridez dos momentos de angústia mais intensos, ou seja, a desesperança que me tomou não foi resultado da irritação ou, tampouco, do cansaço extremo, mas apenas se revelou por causa deles, senão que agora ela simplesmente veio mais ainda à superfície.

Bem, acho que isso pode ser dito do que mais se marcou no meu peito: da inutilidade de nossos esforços. De todo suor derramado em prol de sorrisos banais, de superficialidades, de ser obrigado a tratar bem pessoas que não merecem respeito algum justamente por não serem ninguém, e algun os tratam como se fossem deuses. Como isso é desprezível. Se isso é ser um deus então eu não preciso de vocês!

Sobrou ainda uma dúvida, não que seja coisa, que é justamente como alguém realista pode ficar tanto tempo próximo, e sentindo-se confortável com alguém que é esse todo oposto, que não vê absolutamente nada da realidade, a não ser o seu mais imediato. Os opostos realmente se atraem? Ou seria na verdade que meu pessimismo é que se opõe e afasta? De todo modo vou dormir hoje também, aproveitar uma brecha de um dia fresco e chuvoso no verão, obrigado por isso Baía da Babitonga e, quem sabe, acordar amanhã para mais um dia chato com uma resolução diferente. 

Aquilo que disse para minhas amigas, no calor (ou seria no frio) daquele momento, que me sentia completamente morto por dentro, não me animando nem mesmo na mais bonita das paisagens de que consigo me recordar, deve ser porque isso é verdade. Consigo ver e perceber o belo, mas isso é tudo, e não é bastante para fazer cair as escamas de meus olhos de que, se estivesse morto, ainda seria melhor. 

O valor para ir lá foi absurdo, e entendo que as pessoas consideram um tempo de qualidade como uam experiência de valor inestimável, no entanto, afora as horas que os envolvem, e todas as outras nesse ciclo de ímpetos incontidos, de gastos descontrolados, as consequências nos dias seguintes são notáveis. Minha conta bancária não se recuperará tão facilmente, temo que nem sequer sobreviva. Essas consequências eles não têm capacidade de entender. Mesmo que eu também gaste compulsivamente, as consequências se apresentam quase imediatamente. Mas talvez a verdade seja que, neles, realmente não haja tanto impacto, não dependem exclusivamente de si mesmos e da sua administração. 

Talvez eu também possa me desanimar sabendo que, na realidade, aquele não era um lugar para mim. O meu lugar é sentado no chão, tomando um vinho barato e ouvindo música, esse é o único luxo que posso me dar. Aquela é uma alegria para eles, homens e mulheres dispostos, iluminados de algum modo, capazes de irradiar algum brilho e de se assemelharem com fadas em jardins encantados ou seres desconhecidos em espaços limiares entre duas realidades distintas. Eu não sou um deles. 

X

Você disse que se sentia oca, até a podridão ressecou e não tem mais vida. Que não sentia esperança. Sobrevivia apenas. As vezes nem isso. Claro que me identifiquei, se tem algo que me sinto sempre é que nem mesmo sobrevivo mais, que meu corpo se tornou exatamente isso, uma casca oca, sem alma, sem vontade, sem desejo.

É possível chorar pelos outros porque já não choro mais por mim? Continuo chorando, silenciosamente e sem que percebam, porque é claro que não percebem. Mas quanto mais esse vazio aumenta, mais se torna difícil se compadecer de mim e, no entanto, continuo me emocionando com os outros. 

Continuo cheio de nada, imerso em desesperança. Tristeza tão profunda que parece que a fibra de meus ossos tornou-se brasa viva que consome minha carne, me faz ser cinza. E isso não é vida, não é nem subsistência... É ser pó, é ser nada, e ainda assim ter que ficar de pé diante de tudo, porque ninguém o vêm binguém o sabe. 

Sou como cadáver adiado, há muito morto, apenas esperando ser enterrado. 

É uma manhã fresca, mas uma lágrima quente corta meu rosto e se perde no emaranhado de minha barba. Fecho os olhos, reabro e percebo que ninguém o viu. A vida segue agitada, cadáveres continuam andando pelas ruas. Quantos mais estão mortos como eu?

Parece tão dificil olhar para o outro né? Acho que sim. Vemos apenas aquilo que queremos, o tempo todo, e qualquer coisa contra nossa visão já nos tira do sério. E eles se sentem enraivecidos quando percebem que eu não respondo como gostariam. Me deculpem, ó ilustres imbecis. mas eu não sou uma pessoa viva que responde a vocês. Simples assim.

“Sim, existe uma crise humana, pois a morte ou a tortura de alguém em nosso mundo de hoje pode ser examinada com um sentimento de indiferença, interesse amigável, experimentação científica, ou simples passividade." (Albert Camus)

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