sábado, 27 de janeiro de 2024

A última visão

Último Crepúsculo: Epílogo

Finalmente, Mee chegou à montanha do Último Crepúsculo. O lugar onde a luz quebraria todas as maldições. Mee foi suavemente envolvida por uma luz laranja, a maldição dentro dela foi gradualmente sendo eliminada enquanto o corpo de Mee se transformava em pedra. No final, Mee se tornou uma estátua que olharia com alegria para aquela última luz para sempre.

A princípio Mhok não entendeu o que aquelas palávras, as últimas do livro que ele vinha lendo para Day nos últimos meses, queriam dizer. Foi o outro que, sentando numa grande pedra mas sem conseguir ver a cadeia de montanhas que se abriam a sua frente, o último cenário daquele livro, que o explicou o significado, que ele mesmo experimentava naquele instante:

- Acho que é bom terminar assim. Mee nunca mais vai desaparecer. Acho que o que o autor viu naquele dia deve ser tão lindo, mas tão lindo, que ele achou que não precisaria levar ela para nenhum outro lugar.

- Isso é um exagero - disse Mhok ainda sem entender e contrariado com o final da história - nada nesse mundo inteiro é tão bonito. 

- Há algo, um momento em que você poderia viver ali para sempre. Eu acabei de entender. 

Mhok tinha levado o namorado ali mas estava inconformado, com o final da história e com as nuvens que tampavam o sol entre as montanhas, ele esperava que a última visão do outro fosse inesquecível, a melhor memória antes que seus olhos se tornassem escuros para sempre. E ele até descreveu como queria que fosse, um céu em tons de laranja, com o círculo da luz do loz brilhando forte, e quem sabe um arco-íris completando essa idílica visão. Mas, por entre as nuvens cinzas, foi Day quem viu e descreveu ao outro que, embora enxergasse, não via nada disso:

- Olhe novamente com mais atenção. Vê? O céu um gradiente do vermelho que passa ao laranja e o amarelo. E lá está o sol: escondido no horizonte, brilhando através das bordas das nuvens. Parecem ondas no oceano. 

Mhok fechou os olhos por alguns instante e, ao abri-los novamente se surpreendeu com o que via a sua frente, exatamente como Day descrevera e como ele sonhara. Ele entendeu também que era assim que funcionava quando ele mesmo descrevia as coisas para o outro. Day, que já não via mais do que alguns borrões há vários meses e, nas últimas semanas e especialmente nas últimas horas piorava ainda mais, imaginava tudo assim, ao ouvir pela voz do amado, mesmo enquanto, entre tropeços, ele subia a ingreme estrada que levava ao topo daquela montanha.

- Estou vendo agora, tão lindo quanto você acabou de descrever. Então - disse virando-se pro outro - você já viu tudo o que queria ver?

- Ainda não. Ainda há uma última imagem. - Day disse enquanto esticava os braços para tocar o rosto do namorado sentado ali ao seu lado - Você está sorrindo? - Disse tocando os lábios de Mhok que tentava não chorar.

- Uhm - murmurou em resposta, tentando a todo custo conter as lágrimas porque ele sabia que Day já não vi mais do que borrões que, a cada minuto, ficavam mais e mais escuros, desaparecendo com tudo, engolindo todo o mundo como um buraco negro. 

- Não minta para mim! - E ao ouvir isso Mhok já não conseguiu mais se segurar enquanto o outro se aproximava, um palmo de distância, mas já sem conseguir ver nada, apenas sentindo uma lágrima quente escorrer pelo seu dedo, descendo pelo rosto que ele segurava tão ternamente - É isso, essa é a última visão que eu queria ter! 

E então tudo ficou completamente escuro. Day ouvi apenas o vento no alto da montanha e os soluços do namorado que, sabendo que ele ficara completamente cego e que a sua última visão tinha sido o seu rosto, iluminado pelo gradiente vermelho, laranja e amarelo do céu, pelo halo de luz do sol e o arco-íris que, refletido nas gostículas de chuva das folhas que cobriam aquela cadeia de montanhas numa pequena província no inteiror da Tailândia, os iluminava e gravava, queimando em seus corações, aquela cena que ficaria para sempre.

Ali eles entenderam o significado da visão. Não apenas da visão como sentido, como forma de conhecer, mas como forma de guardar e significar o mundo ao redor. Muito embora Day não visse mais o que o cercava, ele vivia pela guia do outro, imaginava de acordo com o que ele lhe dizia, ou quando ele mesmo tocava. Mas aquela imagem, a última visão borrada, do rosto de Mhok, chorando e forçando um sorriso para que a sua última visão não fosse triste, era a mesma do fim daquele livro: uma visão tão linda, tão perfeita, que ele gostaria de se tornar uma estátua, que ficasse eternamente parada ali, olhando para Mhok naquele lugar mágico da sua última visão, para sempre. 

E, aproximando a um palmo do rosto do outro, ele gravou em si aquela imagem. Do homem que, para ele, lhe aquecia mais do que o próprio sol, e que era mais bonito do que a combinação de cores naquele céu. Mesmo deslumbrante a paisagem como era, era a presença do outro ali que tornava aquela a visão, a sua última, a mais bela de todas. ~

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Inspirado na série tailandesa Last Twilight, da GMM TV

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