quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

O derradeiro

A vida é isso: trabalhar doente, cansado, e continuarem exigindo o mesmo vigor, sem poder diminuir sequer o ritmo, voltar pra casa num ônibus cheio, chateado, suado e cansado, não ter um sentimento correspondido, ter de comer bem para não ficar doente, porque doença diminui a produtividade e, no fim do maldito dia, dormir sem ter forças pra mais nada. No outro dia tem que acordar cedo e começar tudo de novo, sem se atrasar, com um sorriso no rosto, disposto e produtivo. E ainda dizem, e insistem que você aceite, que a vida é bela! Uma bela de uma porcaria! 

E tudo isso para fazer girar a máquina do mundo, mas o mundo é um moinho, e não mais do que isso. Tritura sonhos, ilusões, desejos profundos e amores verdadeiros. Te alimenta de mentiras, promessas que nunca vão se cumprir. Olhe para as pessoas cansadas e abatidas depois de um longo dia de trabalho: elas não se aguentam em pé direito, tão logo cheguem em casa vão se entregar ao sono, inquieto e desconfortável, até que o sol desagradável as acorde no dia seguinte, com um feixe de luz bem na cara, lembrando-as que já é hora de levantar. Essa imagem, esse eterno retorno, como que presos no ourobouros, num ciclo infernal do qual apenas a morte parece-nos ser libertação. 

Talvez isso explique um pouco a minha completa falta de entusiasmo com qualquer coisa, a forma com começo e termino os dias tendo como ponto mais alto apenas aqueles breves momentos de séries ou o breve perfume do café de manhã. Mas, ao menos, posso dizer que encontro certo prazer em coisas simples, como sentir o cheiro da grama cortada logo cedinho, ou o próprio cheiro do café, uma música baixinha...

E não só minha vontade ou, o que parece ser as potências mais elevadas da minha alma, se encontram débeis diante desse cenário, como também as mais baixas... Meu corpo tem se mostrado inerte, sem reação, vou dormir e acordo com o mesmo sem vontade com que me recusei a rasgar o ventre de minha mãe. Olhos baixos, opacos, cabelos em queda livre, um pau que não serve para mais nada, pele, unhas, tudo dando sinais de esgotamento, um corpo que já desistiu de viver e que apenas serve de casca vazia para transportar um espírito que, em dados momentos, sopra como moribundo ao dar seus últimos suspiros. Quem me dera chegasse logo o derradeiro...

"Depois, quando viu que a vida de Paris, a que lhe aspirava, estava interdita pela mediocridade de sua fortuna, pôs-se a examinar as pessoas que a cercavam, e sentiu um frêmito de solidão. Não havia ao seu redor homem algum que lhe pudesse inspirar uma dessas loucuras às quais se entregam as mulheres impelidas pelo desespero que lhes causava a vida sem finalidade, sem acontecimentos, sem interesse." (Honoré de Balzac) 

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