terça-feira, 30 de janeiro de 2024

O que dizer

Não esperava voltar aqui para escrever mais uma vez, e admito que não estou nada feliz com isso. Também não consigo explicar exatamente qual foi o gatilho que me deu, o que me despertou a fazer isso mas, em algum ponto daquele sábado, eu tive uma resolução pura e simples: eu não faria falta a ninguém, estava livre, realmente livre. e podia partir. 

Não fui tomado de desespero, antes disso, mas de uma calma incomum. Já não me machucava em saber que sou a parte da minha família que pode ser negligenciada, ou em perceber como os outros se importam mais com todo o resto de coisas. Eu estava livre. Alguém choraria por mim um ou dois dias, mas nada além disso. 

Acordei no domingo com aquela intenção. Fui a missa, e nenhum dos meninos bonitos me chamou atenção, tampouco ninguém percebeu o meu olhar vazio e o que eu faria a seguir. As pessoas nunca sabem, elas nunca entendem, nunca enxergam, então eu não faria tanta falta assim. 

Quando cheguei em casa tomei mais remédios do que nunca. Meu estômago já doía por causa da crise respiratória que tive essa semana mas eu não me importei. Engoli vidros inteiros de xarope, três cartelas de tarja preta, um monte de relaxante muscular e, ouvindo apenas a música, sem nenhum protesto de ninguém, me deitei na cama. 

Apenas para acordar, completamente tonto, umas dez horas depois, sem que nem mesmo a minha família notasse que isso é bem mais do que durmo normalmente dopado. Algumas mensagens no celular mostravam preocupação de algumas pessoas, duas na verdade, pelo meu silêncio e pela carta que eu tinha publicado aqui. Na verdade eu acreditava que aquela quantidade fosse suficiente, mas não foi, talvez eu não tenha tido coragem o suficiente. O que me segurou?

Na noite anterior ainda tentei buscar algo que me pudesse fazer mudar de ideia, mas a minha imagem no espelho, a ideia de que alguém sentiria falta, nada disso surtiu efeito, como disse, estava livre, livre para morrer. 

Mas ainda estou aqui. Acordei em mais uma manhã, uma maldita manhã. ensolarada e cheia de vida.

Estou envergonhado, não só funcionou como agora preciso voltar ao normal como se nada tivesse acontecido. Estou envergonhado porque mesmo assim não entenderam. 

O que eu queria que fosse diferente? Não sei se a essa altura eu ainda quero algo... Palavras como "amor, amizade, família" perderam completamente o significado, não passam de um amontoado de letras para mim. A única coisa que ficou foi o vazio.

Talvez quisesse ser eterno como uma das músicas que escuto. Mas não estou certo quanto a essa eternidade. Minha alma é eterna não é? Se assim for ela tem mais durabilidade que toda a humanidade e vai apreender toda a história humana num único instante. Mas por qual razão sinto a vida tão insuportável? 

O versos dos Lamentos de Jeremias ainda ecoam na minha cabeça. Fiquei feliz por ele ter dito o que pensa, por ter ficado irritado ao descobrir que queria morrer. Mas admito que continuo sem esperança nenhuma, e talvez continue apenas ouvindo música, até o fim.

Já não tenho mais nem o que dizer, só fechar os olhos e me deixar levar pela música... O que mais eu posso dizer? O mundo continua, e ninguém liga para saber se eu quase morri. 

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