sábado, 27 de janeiro de 2024

Aforismos de uma semana caótica

Praticamente não fiquei acordado durante esses três dias (tinha um dia de folga junto ao trabalho). Eu acordava, comia algo, colocava um ou outro episódio de série em dias e, logo depois, me entupia de reméio pra dormir. Devo ter usado quase metade de um vidro de rivotril esses dias, só ontem foram mais 50 gotas, além de vários comprimidos de zolpidem, ciclobenzaprina e o que mais eu achava pela frente para tomar e dormir, e ainda assim algo, provavelmente essa madita ansiedade, me mantinha acordado. Por fim, enquanto nem meu corpo mais aguentava de tanto remédio, já sentindo dores fortes mas ainda acordado, eu ainda me sentia péssimo e, novamente, fiz aquela prece: que o novo dia não chegasse, que o amanhã não viesse, que tudo acabasse ali.

Mas não foi suficiente, o novo dia veio, o amanhã chegou e cá estou eu. E eu já estava todo suado antes de sair de casa, e nem por um instante conseguia me desligar e parar de pensar na quantidade de coisas que iriam me mandar fazer. Essa vida é um inferno insistente. 

Ao menos os demônios me enxergam como um alma a ser perdida pois, para todos os outros, eu sou mero instrumento, uma máquina de responder perguntas, ninguém nunca me enxerga realmente. Mas isso pode até ser uma coisa boa, se eu morrer, talvez ninguém sinta falta. Não sou muito mais do que isso mesmo. E nem os outros, não passamos de máqunas para desempenhar funcões. Não somos importantes. Ninguém é mais do que isso.

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de qualquer forma, realizamos nossos movimentos, intestinais, às vezes sexuais, às vezes celestiais, às vezes espúrios, ou às vezes percorremos um museu para ver o que restou de nós ou disso,

a triste paralisia estrangulada de fundo de manicômio envidraçado e congelado é estéril suficiente para fazer você querer sair para o sol de novo e dar uma olhada, 

mas no parque e nas ruas os mortos continuam passando como se já estivessem num museu.

talvez o amor seja sexo.
talvez o amor seja uma tigela de mingau.
talvez o amor seja um rádio desligado. 

(Charles Bukowski)

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Disse, com lágrimas nos olhos, o que já me vinha pesando o coração há varios dias. E como das outras vezes, não obtive resposta, apenas silêncio. Brutal e ensurdecedor. Silêncio, ondem nem mesmo o arfar do meu peito lacrimoso se ouvia. Chorava, baixinho, sem que ninguém visse nem percebesse que, por trás da correria e da eficiência técnica, se encontrava um homem destroçado, que já não sabia mais se aguentaria sequer o próximo minuto e que cada respiração, por mais curta que fosse, lhe custava todo esforço do ser. E me custa ser assim, porque tudo o que eu era, espírito, alma e corpo, era voltado a amar. E, esquecida de mim mesmo, não tendo como o rosto reclinar sobre amado algum, me esvaí completamente. 

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Não posso exagerar na dose hoje, talvez um relaxante muscular e um xarope pra gripe daqueles que te deixam meio mole, só isso. E quem sabe um trago de um licor bem forte também. Eu só quero apagar, acho que mereço no mínimo isso, depois do dia infernal que eu tive. 

Sozinho, corrido, e ainda sendo cobrado por isso. A vida é uma doença, não. A vida é uma desgraça.

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Não me sinto confortável para conversar, deixei de novo que a correria tomasse conta de mim. Fiquei deitado e chapado, ouvindo de vez em quanto a música lá longe, mas reconhecendo a voz a ficando um pouco feliz por sentir algo de confortável nesse mundo. O ar do ventilador soprava meio desesperado em mim, o calor úmido do verão entrando pela janela e deixando minha pele grudenta, já não importava mais, me virava de um lado pra outro, sentia o perfume doce dos óleos de camomila, lavanda e funcho e mergulhava em sono profundo de novo. Fiquei indo e voltando algumas vezes, até sentir os músculos finalmente relaxaram, começando pelo pescoço e indo em direção aos membros. Quando finalmente tudo estava relaxado, eu apaguei completamente. 

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Não o culpo se decidir ir embora, já o disse mais de uma vez. Só consigo imaginar como deve ser difícil ser amigo de alguém como eu, tão volátil. que muda tão rapidamente... Mas também, sei que não dá nenhuma importância pra isso, sei que não sou importante o bastante, sei que muitas coisas estão ficando pelo caminho, e parece que elas não incomodam você. Acho que você já se acostumou, com essa minha mania de mudar, de me enfurecer, de me apaixonar... E enquanto escrevia essas palavras o meu chá esfriou. 

Só queria, entre um chamado e outro, entre uma correria e outra desses dias, entre uma urgência não realmente urgente, entre nomes importantes sem importância alguma, só queria que ele lembrasse de mim.

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Admito que esperava um pouco mais de humanidade, não sei exatamente em que ponto me tornei tão otimistas e esperançoso, mas acho que a banalidade conseguiram superar até as minhas expectativas mais brutalmente elaboradas no calor desses dias horrendos, dessas experiências que, cada dia mais me convencem que o homem é o mais horrendo dos animais. Lançando-se vorazes contra vitima indefesa, inerme enquanto devoram sua carne que já apodrece sob seus olhos velhos. 

Cada vez mais me convenço que o fim, é a melhor parte de toda essa vida.

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" - Vejo você hoje à noite?
- Eu nunca faço planos tão à frente..."
(Casablanca, 1942)

Aquela ressaca social, sentimento de que não se suporta mais interagir com nenhuma pessoa, é uma das coisas mais brutalmente horríveis que a sociedade nos obriga. E eu nem consigo disfarçar o meu absoluto descontentamento em ficar andando por aí com aquela mala, em como cada vez que ela abre a boca para dizer alguma estupidez sonhadora a deconexa de qualquer senso das proporções, eu sinto vontade de simplesmente dar às costas e sair sem nunca mais voltar.

Tive de observar o efeito manada em sua forma mais básica: jovens rindo da própria imbecilidade, e enquanto isso eu observava de longe, do profundo abismo da minha desesperança, e via quão miseráveis somos todos nós. Eles com energia demais, eu sem nenhuma, e todos sem fazer nada de realmente útil. E nem mesmo saber disso conforta. Enquanto todos se deixam levar, fazendo seus desejos se misturarem num amálgama esmagado e disforme que se ergue num totem monstruoso, aglutinado de pecados sem um único dedo de Deus na criação dessa abominação, e eu, assim como outros poucos, vendo essa miséria e sem poder fazer nada. 

A última tarde antes do descanso merecido foi de uma profunda conclusão existencial: se eu não consegui me animar com uma visões mais lindas que já contemplei, é porque nada mais pode me animar, eu estou irrevogavel e completamente morto por dentro. E isso me fez perceber o quanto estou cansado. Foi do volume de trabalho? Do calor? Do ambiente de banalidade a que me submeti nos últimos dias? Ou da própria condição humana, ou do meu meio social, de completa privação de um senso da realidade normal? Ou talvez esteja cansado da existência.

E eles ainda queriam, e foram sem mim, a outro bar depois do segundo lugar caro e brega em que entramos. Mas eu estava cansado demais, e só agora vou deitar, acompanhado daquelas doses de remédio que matariam qualquer um outro tivesse algo menor do que a minha absoluta necessidade de solidão nesse momento.

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