sábado, 13 de janeiro de 2024

Desânimo de Verão

“As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça." (Mt 8, 20)

Compartilhando mais um dia, ou noite, de absoluto tédio existencial. Não estava realmente prestando atenção aquela série que repetia de madrugada, nem nos vídeos que passavam no celular, tampouco nos estranhos que passaram na rua. Acho que só notei realmente a sua ausência e a brisa fresca que entrava pelas portas abertas da sacada, vez ou outra olhando as folhas de bananeira no terreno da frente balançando, nada parecido com o alerta de atenção aos vestos costeiros que havia recebido horas antes. 

Aliás, Já me habituei a ignorar esses avisos, quase todos os dias recebo um alerta de tempestade, pela proximidade com a Baía da Babitonga a chuva forte sempre cai no mar e não realmente aqui. Mas também ignoro outros tipos de sinais, avisos realmente perigosos aos quais eu deveria dar ouvidos.

Ignorei quando percebi que ia dormir pensando em você e acordava já pensando no que te dizer... Ignorei quando percebi que estava ficando cada vez mais próximo, que queria te contar cada pequenina conquista, que partilhava minhas dores ou que simplesmente comentava coisas pequenas do dia a dia. Ignorei quando percebi que te tratava como "meu amor" e que atualizava você de cada momento da minha rotina, como quando saía do trabalho e estava chegando em casa. Ignorei tudo que significava já uma manifestação da dependência emocional que, hoje, venho demonstrando, já estava dada ali, em germén. 

Tudo se manifesta lentamente, se espalhando de modo quase imperceptível, como raízes na terra do coração ou como um câncer, até domir e apodrecer todo o corpo, de dentro para fora. 

Pensei em escrever para você privadamente cada vez que me lembrasse de você. Mas aí uma outra voz me alertou que, sendo esse um gesto que namorados normalmente fariam, não seria de bom tom exagerar esse nível de exposição. Não precisamos de mais humilhações. Não farei isso. Não enquanto qualquer outra coisa, como a cópia pirata de um livro tiver mais importância do que o oceano de sentimento que lhe ofereci. Até mesmo no meio da noite, quando tudo que eu fazia era pensar em você, você se preocupava mais com o alimento da alma devota do que com meu sentimento, e isso diz muita coisa. 

Continuo nessa existência, não me atrevo a chamar de vida, patética e miserável. 

E enquanto isso o vento continua lá fora, junto ao calor escaldante. As folhas das árvores se curvam ante a imponência de Zéfiro. Observando essas folhas ao vento eu sinto como se muito de mim também se perdesse entre aquele rodopiar infinito, sem rumo, sem fim... 

O desânimo continua mesmo pela manhã seguinte, quando a brisa fresca deu lugar ao calor intenso e impiedoso, brutal, como a perspectiva da existência. E ainda sou obrigado a aguentar as pessoas, claro, falando alto enquanto eu queria assistir ou estudar, todos meio incomodados com o calor mas incapazes de tentar algo que ajuda a faciliar esse mesmo estado. Aquele viveiro malfito continua ocupando espaço na varanda, não dá pra ficar lá mesmo sendo o lugar mais fresco da casa. O volume de tudo, televisão, liquidificador, vozes, me estressa mais e mais e pelo abafamento nem consigo optar por ligar o difusor, estando quase engolindo os óleos de uma vez só. 

Qualquer um que leia isso pode se perguntar se esse é o único motivo da minha aparência quase mórbida. Quem quer que me olhe com o mínimo de atenção vai perceber que eu estou simplesmente aqui, susbsistindo, insistindo sem motivo.

Deveria arrumar meu armário e me livrar de metade das coisas ali, afinal se ficar juntando bagunça é provável que tudo acabe mofando e estrague sem uso, inclusive contribuindo para uma piora no meu já grave quadro alérgico. Mas onde está a disposição? 

Enquanto meu corpo transpira e eu fico grudento, vejo jogadas por aí cartelas de remédio que eu já não tomo mais. Maquiagens que eu esqueci que existiam, folhetos que não vou reler mas que também não joguei fora.

Me lembro que, algumas semanas atrás, um rapaz que sigo no instagram postou uma série falando sobre como tornamos o espaço ao nosso redor nosso, com a simples adição de coisas de nosso uso que vão moldando externamente, dando a cara daquilo que nos há internamente, na nossa personalidade. Pois bem, ao olhar ao redor eu não me vejo em lugar algum, senão que vejo um ambiente que reflete apenas um utilitarismo, afinal meu quarto não é meu quarto, é apenas o lugar para onde volto depois do trabalho, não para vê-lo e sim para dormir antes do dia seguinte. Por isso talvez essa estranheza nas férias e também o fato de que a maior parte dos meus episódios depressivos começam em casa mesmo. 

Esse lugar então me condena, o ar putrefato faz eu me sentir como se estivesse atravessando um dos rios do inferno, inebriado com a carne queimada dos pecadores, mas no caso é a minha própria carne que pouco a pouco vai sendo destruída e faz com o cheiro se difunda no ar.

Encaro então a vida, as férias, as festas de fim de ano, como dias de sucessivo tédio. Tentando me distrair com algumas compras, sendo que nem mesmo comprar nada me anima, afinal não tenho dinheiro sobrando e nem onde colocar mais nada, já que tudo nessa casa é feio e entupido de coisas. 

Mas então eu não deveria me animar, agitar a poeira e tentar mudar isso? Essa é a atitute esperada não é mesmo? Mas aí eu pergunto: para quê?

Me disseram para tentar uma vida mais saudável, academia, dieta... E aí torno a perguntar: para quê?

Com que dinheiro eu deveria ir ao nutricionista? Em que dia? Na segunda? Meu dia de folga? Para ficar cansado no único maldito dia que tenho para descansar? E aí quem faria essa comida? Eu preciso colcoar mais esse peso na minha mãe? Ou deveria então tirar do tempo que tenho para porcamente estudar depois de expediente ou acordar mais cedo para preparar a comida com ingredientes sem graça? 

E o mesmo pode se aplicar a tantas outras atitudes da vida. Em que momento faria exercícios? Deveria deixar de estudar, ou estudar menos ainda do que já faço, para cultivar um corpo que, desde já, está condenado a apodrecer? Penso que, ao menos, quando estudo, cultivo algo que se fixa na alma, no intelecto, e não no corpo, e que por isso pode permancer um pouco mais. E é por isso que me dedico a estudar pequenas coisas que não interessam a mais ninguém. 

Acontece que viver, como dizem que é, é chato, á cansativo e não traz nenhum resultado, afinal no fim de tudo só há a morte. Eu só queria então pular esse tudo, chato, tedioso e demorado... A vida hoje cansa. Trata-se de não ter um dia de paz. Diante disso, a morte parece uma doce promessa. Mas, como se trata de mim, até mesmo a morte me escapa por entre os dedos. Se morrer fosse algo ruim decerto que já teria acontecido comigo. 

Mas o que me aconteceu foi a solidão. Me encontro num deserto, se companhia, sem teogonia, sem fonte cristalina onde se mostrem os semblantes prateados que trago em minha alma esboçados. 

"E naqueles dias os homens buscarão a morte, e não a acharão; e desejarão morrer, e a morte fugirá deles." (Ap 9, 6)

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