quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Dia de Ira

Dia de Ira.

Grande. Fluindo pelos meus olhos.

Os últimos dias das minhas curtas férias já chegaram, pretendia aproveitar esses momentos para fazer algo que pudesse me animar de algum modo, que pudesse me ajudar a retornar mais otimista, maduro, ao menos que pudesse criar um lugar para onde eu teria vontade de voltar ao fim do dia. 

Mas o que tenho vivido é um inferno. Porque a minha família simplesmente dicidiu aceitar que todo tempo tenha alguém morando com a gente, e sempre tem, sempre tem, sempre tem! Nunca tenho espaço, liberdade, sempre algum incômodo. Que inferno! Vão viver os seus incômodos longe de mim!

Eu não sou uma pessoa sistemática, eu não tenho mil rituais para sobreviver. Se um homem não tem paz nem mesmo para contemplar a própria miséria enquanto bebe o vinho mais barato que ele achou, onde ele encontrará paz? Eu não tenho filhos, não namoro ninguém que tenha filhos. Mas ainda assim tenho que suportar choros, birras e incômodos nos momentos simples que eu ainda tenho?

E é só isso que eu queria. Eu queria não chegar em casa ouvindo música de bandido, eu queria não ter uma bagunça ao meu redor mesmo logo depois de deixar tudo em perfeita ordem sabendo que a desordem vem de uma pessoa que não moveu um dedo para ajudar. Eu não quero acordar de madrugada com cheiro de comida sendo frita e impregnando na casa toda, eu não quero ouvir ninguém transando de madrugada. Eu só quero poder ver a porcaria da minha série em paz, eu só quero assistitr em silêncio, porque amanhã minha rotina recomeça, e lá eu vou desejar voltar pra casa, e em casa eu desejo estar em qualquer lugar que não seja minha casa. Me vejo então de novo igual Jerusalém:

Escrava foi desterrada, 
em terra estranha hoje mora 
sem paz, sem lar, sem pousada. 
(Lamentos de Jeremias)

Não me importo que pensem que são melhores do que eu. O são, eu sou apenas um velho pobre e desgarrado, patético, então sua visão corresponde com a da realidade. Está tudo bem, não é como se ainda houvesse vida em mim para me importar. Eu não sou inteligente o bastante, não fui atrás de títulos o bastante, não sou bonito o bastante, nem interessado o bastante. Mas tudo bem, ainda que eu não seja bom o bastante, para ele ou qualquer outro, eu sou apenas o que sou, e eu sei que não é o bastante, mas é só o que posso ser.

Minha vontade seria estar em lugar nenhum. Tomo mais trinta gotas de Rivotril, um Zolpidem, um Ciclobenzaprina e uma taça de vinho. Sim, uma taça de vinho, que eu comprei com meu salário e que eu sei que pode me fazer ficar doente, e eu espero que seja logo pois, pelo que vejo, só haverá paz quando finalmente forem ouvidas as minhas preces:

"Deixai, agora, vosso servo ir em paz, 
conforme prometestes, ó Senhor."
(Lc 2, 29)

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