quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Incômodo e Paz



Deveria ficar feliz por estar finalmente de férias, mas parece que não é tão simples assim. E não poderia ser diferente não? Quando sorrio e digo que as coisas dão errado para mim nos mínimos detalhes, é disso que estou falando: não consigo nem mesmo um simples descanso. 

Me sento para tentar estudar com um pouco mais de foco nesses dias e... Começam a falar alto, barulho de criança chorando, celular tocando, cachorro do vizinho latindo, máquina de costura... Mas é claro, uma reclamação como essa é idiota, bem o sei, não precisam me avisar.

Eu poderia levantar e caminhar um pouco, aproveitar o dia fresco e ir até o trapiche, quem sabe tirar umas fotos naquelas árvores próximas do iate club ou simplesmente ficar sentado, olhando a maré preguiçosa do braço do mar. Poderia. Mas não quero. 

Assim como me obriguei a começar a ver uma das séries na minha lista, que agora já cresce com títulos começados e não acabados, por falta de paciência. Isso porque, no momento, toda e qualquer visão do homem me cansa. 

Não tento mais puxar assunto com o moço de túnica branca, já desisti, nem tampouco alimento alguma esperança quanto aos aplicativos de relacionamento, já me cansei do discurso de que todos estão querendo conhecer alguém afetivamente responsável mas, ao mesmo tempo, buscar putaria com outros 15 contatos simplesmente porque é mais fácil.

Claro que, numa cidade com tantos homens bonitos assim, é normal que eu fique sozinho. Até aquele garoto deve estar num desses aplicativos, e já deve ter tido as suas primeiras experiências. Não me assustaria se, num futuro próximo, todos os homens que não se relacionaram comigo por não gostarem de outros homens aparecessem justamente ao lado de outros homens, é o tipo de pessimismo que considero o mais realista possível.

Então a minha vontade é de poder dormir todos os dias, mas sei que se fizer isso nas férias não vou conseguir dormir quando, voltando ao trabalho, precisar realmente dormir não somente para escapar dos barulhos incômodos, mas para sobreviver. 

Por isso eu fecho os olhos brevemente, e peço numa prece imperceptível, que eu possa morrer em paz. 

Parece exagerado, eu sei, que de algo assim eu conclua com essa prece, mas é que, bom, olhando ao meu redor, avaliando as possibilidades, os futuros possíveis, eu realmente não consigo deixar de pensar que tudo isso seria apenas um grande incômodo. A vida é então essa sucessão de incômodos, é um peso insuportável que, numa sucessão incontável de mínimos problemas se torna uma carga pesada demais. 

E eu até entendo que a grande maioria das pessoas consiga levar numa boa, que encontrem sentido tendo como ponto alto de suas existências um churrasco no fim de semana ou uma orgia com desconhecidos, mas para mim, tudo é apenas um grande incômodo e uma sucessão de coisas que dão errado nos mínimos detalhes. É tudo muito chato, porca miséria!

E sim, eu deveria estar feliz por estar de férias, por poder ficar deitado nessa tarde fresca, sentindo o perfume de Ylang Ylang e Menta Piperita sendo difundindo no ar mas, se fecho os olhos, só consigo pensar no quanto estou sozinho. Talvez devesse me levantar para ver de novo aqueles episódios de Bleach, ou terminar o dorama que comecei semanas atrás ou ainda o que comecei hoje, mas não quero. Assim como não tenho com quem conversar, todos estão aproveitando suas férias e só se lembram de mim quando têm alguma dúvida sobre as próximas missas. 

Queria que me chamassem para caminhar, ou que ficassem comigo na sacada, ouvindo música e comendo amendoim, quem sabe de tempos em tempos trocando sorriso ou uma carícia leve nas costas da mão. Então, quando voltar das férias e me perguntarem como foi, eu vou sorrir e dizer que estou muito aliviado por descansar mas, na verdade, foi apenas vazio e solitário, e até as preces que elevei no silêncio, esperando ouvir alguma resposta como a brisa fresca que entra pela janela, só recebi em resposta mais silêncio.

E não é só Deus que não me responde, mas todos os seus homens também estão ocupados demais. Talvez ninguém note se eu morrer. Assim posso finalmente ficar em paz, ninguém vai se incomodar.

"Quero conhecimento, não fé ou presunção. Quero que Deus estenda as mãos para mim, que mostre seu rosto, que fale comigo. Mas Ele fica em silêncio. Eu O chamo no escuro, mas parece que ninguém me ouve." (O Sétimo Selo, de Ingmar Bergmann)

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