quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Intimidade

Obra de Joseph Loruso

Em público eles evitam se olhar muito, para que a intimidade daquele brilho não os denuncie. Por baixo da mesa, numa praça de alimentação lotada, eles encostam levemente os dedos, como que despercebidos, mas a verdade é que estão conectando a eletricidade que passa pelo corpo de cada um. 

No quarto fechado, porém gravados por uma câmera, eles revelam então desejos que ninguém naquela praça imaginariam. Um certo nível de erotismo que despertaria na maioria das pessoas um sentido de moralidade repentino. É que ali, sem ninguém por perto, eles dão vazão a toda aquela eletricidade que antes guardavam. 

Não vou me deter aqui num relato, isso não é um conto erótico. Mas, uma coisa que me pega bastante é que certas atitudes, quando duas pessoas ficam juntas, compartilham tal grau de intimidade, se ficam tão próximas, que não consigo compreender como o fazem sem serem próximas de fato, ao passo que muitas vezes pessoas realmente próximas não conseguem partilhar assim e acabam sofrendo, e sofrendo muito. 

Isso significa que uma coisa nada tem a ver com outra? 

Bom, assim como como uma análise da filosofia de Nietzsche não consegue revelar a existência de um nexo entre as diversas exposições do autor, como revelou o trabalho de Eugen Fink, secretário de Edmund Husserl, que encontrou cinco sistemas diferentes na filosofia do alemão. Se existem cinco é porque não existe nenhum, no sentido de que há uma linha que liga os pontos mais distintos dela, não no sentido de um desenvolvimento orgânico, coisa que quase ninguém consegue fazer, mas é que ele se diz e contradiz tantas e tantas vezes que se fica quase impossível saber o que ele está querendo dizer de verdade. 

Mas então, onde havia essa linha que ligava os mais distitntos pontos da filosofia de Nietzsche? Ora, na pessoa do próprio filósofo. Isso porque a filosofia não se pretende criar livros e nem mesmo sistemas filosóficos, mas ela cria filósofos, ela cria esses que buscam conhecer e compreender e que, só às vezes, conseguem organziar isso num sistema e registrar em um livro ou aula gravada (como nossa Mário Ferreira dos Santos).

Desse modo, esses elementos dispares do relacionamento com o outro, como a carência que causa as situações de sexo sem compromisso, de intimidade extrema e são, ao mesmo tempo, de absoluta superficialidade. Mas, se o sexo, compreendido com todos os circulos concêntricos que o abarcam e o contém, e as relações de intimidade estão, socialmente, em disparidade, no meu ser, no meu Kaoru Gabriel, elas se encontram, como uma em expressão da outra, e também ao contrário.

O sexo é a culminação do afeto, mas o afeto também se expressa em outras formas que também são poderosas, embora em menor escala em relação a relação propriamente dita. E então, na minha cabeça isso faz sentido, de algum modo, mesmo encontrando essa barreira: porque parece que as pessoas conseguem níveis de intimidade física cada vez mais absurdas ao passo que estão cada vez mais e mais distantes, vivendo em universos completamente excludentes. 

Talvez alguns poucos encontrem sua intimidade num toque leve de dedos num lugar cheio, e outros estão absolutamente distantes um do outro embora pratiquem o sexo mais intimo possível. Haverá homem feliz nesse mundo que consiga ambos? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário