sábado, 27 de janeiro de 2024

Do sopro que falta em mim

Não me recordo de ter vindo tão forte assim, em tão pouco tempo ter ficado tão abatido. Com as oscilações de temperatura variando num espectro de mais de dez graus em poucas horas era de se estranhar que as crises respiratórias não tivessem aparecido ainda. Agora, parece que ela resolveu obedecer aos avisos da prefeitura sobre os picos de maré e do volume de chuva, com uma frente fria se aproximando da Baía da Babitonga o meu corpo reagiu de um jeito retardado mas com a mesma força dessa massa de ar: incontrolável.

Assim como as pessoas não podem ter nenhum controle sobre o clima, como ficamos sujeitos aos seus desmantelos, a minha respiração atendeu ao chamado dessas leis naturais, tão fortes quanto quase imutáveis. O tempo, inclemente e cruel, meu corpo fraco e submisso. Já não conseguia nem mesmo falar direito em meio as crises de espirro que me machucaram a face dos tecidos que nela esfregava. Meu corpo dolorido do esforço, a garganta por perder a voz e o coração tentando encontrar algum refúgio na escuridão da noite fresca que, em pleno verão, me fez perceber que não é possível lutar contra um furacão que destrói tudo furioso mas é igualmente inútil lutar contra a força silenciosa da umidade que recobre tudo que toca. 

Em chamas ardia o meu peito, manchas roxas e vermelham surgiam no meu rosto, a água brotava de mim como numa fonte, revirava de um lado a outro, inquieto, recorria aos remédios desesperado, mas nenhum deles funcionava. Tomei três comprimidos de uma cartela, meio vidro de um xarope, tomei chá, mais alguns comprimidos, e nada surtiu efeito... Só depois de ir ao hospital, de uma injeção dolorida e de quatro horas de sono profundo, é que recuperei pouco a pouco a claridade, da visão e da respiração. Agora, já sinto um pouco o perfume misturado de hortelã pimenta e cânfora branca, que usei para ajudar a fluir melhor a respiração, mas o corpo dá sinais de não ter se recuperado ainda. 

Uma pequena dor incomoda meu dedo maior, enquanto meu abdômen também reclama do esforço contínuo de toda a noite. Em verdade só quero dormir, por quantas horas forem possíveis... E queria conseguir transformar em poesia esse incômodo. Acho que é mais fácil poetisar uma dor no coração do que uma no peito. É mais fácil falar de como a minha respiração muda ao pensar nele do que de uma crise de asma... Até na doença as da alma são mais belas, embora mais dolorosas que as do corpo e, embora também, se dando na alma eu as sinta no corpo.

Até que esse último parágrafo não ficou de todo ruim. Talvez ainda exista salvação para minha poesia. Para meu corpo e minha alma não.

Interessante notar como, em face do sofrimento corporal, tudo o mais perde o sentido. Enquanto estava deitado na cama, com todas as dores e os incômodos, eu não conseguia pensar em mais nada. Não havia contatos a serem feitos nem respondidos, não havia prazos, não havia horários, nada disso. Eu apenas me concentrava em todos os protestos do meu corpo. 

Mas, até ali, onde tudo doia, onde tudo estava desconfortável, ainda havia lugar para o meu amor. Irônico, mas talvez seja porque o amor é a única doença pior do que todas as outras. 

"A sociedade é como o ar: necessário para respirar, mas insuficiente para dele se viver." 
(George Santayana)

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