Atashi: あ た し (atashi) Jeito bem informal, e afeminado de dizer “eu” em japonês.
Poder dizer "Eu", com consciência de causa: em plena conformidade, entre interior e exterior. Pode, e quase sempre o é, exceto pelas pessoas mais simples, que o dizem com mais franqueza e verdade que as ditas estudadas, que complicam o processo com camadas e mais camadas de falseabilidade.
Mas poder olhar-se no espelho e enxergar um reflexo do interior, complexo, profundo e repleto de intrincadas relações entre o espírito e a matéria.
Eu, a fera que gritou Eu no coração do mundo.
Nas grandes teogonias, em especial na Epopeia da Criação, a Enuma Elish, a existência só adquire consistência a partir da criação ou da pronúncia do nome. O nome confere parte do ser ao ente. Antes disso, experimenta aquela criação engendrada entre Apsu e Tiamat que não tem forma, não tem uma presença presente, é algo ainda vazio, sem contorno, ainda que preenchidos das águas dos deuses primordiais do caos.
Também no outro encontramos algo ao nosso ser. Por contraste, por diferenciação descobrimos o que não somos. O que resta e o que vai além, pode ser indícios da descoberta do eu.
Aceitar falar de si mesmo com propriedade de causa, levando em conta o Eu integral, e não apenas a aparência exterior, pode ser um bom caminho.
Resultado: a leveza do ser, do ser realmente, do ser quem é de verdade e em verdade. Leveza revelada num sorriso.
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Participei e ajudei a organizar hoje a Missa em Honra de São Francisco de Assis, padroeiro da minha comunidade e, claro, um de meus santos de devoção. Missa bela, festa preparada, bem participada, todos em direção ao Pão do Amor. Mas, em mais um momento, senti um desnível entre o que propunha a celebração, isto é, a contemplação da vida de São Francisco como reflexo do Cristo, mas, o que eu via, era apenas a alegria pela comunidade reunida. Realidade imanentizada, imediatista, e por isso mesmo batendo palmas, agitando os braços, sem ouvir as leituras e orações, em espírito de festa, mas não em espírito de oração. Diante de uma comemoração, mas não de um ato sagrado. Reunião materialista, humana, onde o sagrado, presente e atuante, passa despercebido. Quem me dera descrever os tesouros tão divinos, que o grande Deus Uno e Trino, colocou na contemplação da vida do pobrezinho de Assis. Mas talvez hoje tenha sido apenas uma missa animada, e um churrasco.
Certa vez São Francisco surpreendeu seus irmãos aos prantos, chorando copiosamente e dizendo "o Amo não é amado", lamentando profundamente o descaso para as graças que Cristo constantemente derrama sobre nós. No entanto, o excesso de protagonismos, de invencionices, ofusca e achata a ação de Deus, como se a alegria da festa, realmente alegre e realmente boa, fosse tudo, mas não, ela apenas aponta para a festa celeste, onde eternamente anjos e santos bendizem a Deus por todas as suas obras.
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Tentando fechar os olhos ao caos. De repente todos resolveram enviar demandas urgentes. Tudo é urgente, tudo precisa ser feito agora.
Agora,
agora,
agora.
E agora?
Agora meu chá esfriou, as ideias se dispersaram, aquele impulso primeiro, aquela alegria, tudo isso acabou.
O sol brilha forte, posso sentir as pessoas animadas por isso. Foram meses de um inverno ameno, porém cinza e seco. A umidade retorna aos poucos, as plantas já brilham num vigor que não víamos há tempos.
Estou desanimado, não sei se necessariamente depressivo. Só me sinto completamente desmotivado com relação a tudo. Tentei ficar acordado ontem, inclusive só fu dormir no fim da tarde, mas ainda fui, porque se eu olhasse ao meu redor, o tédio se manifestava de tal modo que se transmutava em desespero.
E não quero desespero. Eu já sabia que essa semana iria começar assim, intensa. E foi como pensei. Todos já estão ansiosos. Perdi a conta de quantas já respirei fundo, e pelo visto vou precisar continuar fazendo isso.
Não gosto de dias brilhantes, como o são na primavera e no verão, pois parece que sou obrigado a ajustar meu humor e ficar contente e saltitante como os pássaros, e não quero isso. Só queria ficar quieto, tomar um chocolate, e fazer meu trabalho sem toda essa correria alucinada.