sábado, 26 de outubro de 2024

Pés Sangrentos

Quase sem forças para terminar a semana. É fim de tarde, sábado. Amanheceu quente e ensolarado e eu me perdi em meio aos palavrões de incômodo com todo aquele calor me queimando a pele logo cedo. Agora, por outro lado, tem um vento frio e claramente deve começar a chover logo. Um temporal de primavera. 

Me afastei um pouco na intenção de ouvir músicas que me inspirassem, tinha escolhido INFINITE, mas acabei ficando com a seleção de Frank Sinatra que já estava tocando quando cheguei. A luz do meu escritório está piscando, já deveria ter trocado. Mais uma coisa pra adicionar na já longa lista de compras e consertos, e que eu vou adiar até sabe-se lá quando. Ainda tenho ensaio e duas missas amanhã. Quero maratonar Love In The Big City. Se não precisasse ir à noite para a igreja, dormiria provavelmente o dia todo. Talvez faça isso na segunda. 

Precisei cancelar minha folga na terça, e é bem capaz que não consiga descansar até o grande evento do dia 23. Precisarei sustentar força e sorrisos até lá, além de, claro, lidar com um cronograma apertado e de delicadas possibilidades catastróficas. Bem, parece que as coisas são sempre assim (mas claramente não deveriam ser, mas parece que algo no universo, ou nas pessoas com quem sou obrigado a trabalhar, impede um planejamento simples e eficaz em detrimento de loucuras cansativas que, em geral, significam que eu serei levado ao extremo).

Queria poder dormir abraçado com alguém hoje, sentindo o cheiro da pessoa enquanto tocava suas costas com meu rosto. Gosto dessa proximidade. Talvez colocasse minha mão sobre seu peito, e ouviria sua respiração baixinha no lugar da playlist de baladas coreanas de todas as noites. Odeio ser esse idiota carente que sempre procura pelo outro quando está triste.

Esse deve ser o milionésimo texto triste e melancólico que escrevo, by the way. Desculpem-me. Não culpo o céu cinza, também estava triste de manhã quando o sol brilhava. As praias devem ter ficado cheias hoje. Geralmente eu bebo bastante água, mas hoje tomei só dois copos grandes de chopp durante o expediente, trabalhar com arte tem lá seus pontos positivos. 

Foi uma semana em que preferi ficar em silêncio, sufocando a mim mesmo e esse sentimento. Sei que fiquei mais chato e irritado que o normal, mas não ligo, preciso sufocar o quanto for possível. Esse amor já foi longe demais. Também mergulhei de cabeça no trabalho, finalmente me animei com algumas coisas, isso é bom: as pessoas podem me achar eficiente, inteligente, sendo que, na verdade, é o padrão delas que é baixo demais. Nem sequer enxergam que eu não estou realmente interessado em nada, apenas faço tudo para esquecer o fato de que penso nele absolutamente o tempo todo. 

Mas, pelo menos, enquanto sorrio dum jeito falso e mantenho por longos minutos uma conversa completamente sem propósito sobre a guerra na Ucrânia com um completo desconhecido que claramente bebeu mais do que devia, eu consigo esquecer, ou anuviar, a imagem dele um pouquinho em minha mente. Se me ocupar consegue deixar meu pensamento um pouco nublado, embaçado, por breves momentos consigo esquecer que meu peito continua inflamado, porém triste. Há muito caminho, mas sinto que não cheguei a lugar nenhum, apenas arrastei meus pés sangrentos.

Findou o dia. Caiu a noite. Sopra um vento frio da porta aberta, e consigo ouvir uma festa ao longe. Minha música está bem baixinha para não acordar meu sobrinho que dorme no quarto ao lado da sala em que estou. Tomei energético com a intenção de maratonar uma série, mas acho que vou só ficar um tempo assim e depois dormir. 

Alguns pensamentos passam por mim, como as folhas da casa em frente balançam iluminadas pela luz, amarela dos postes e prateada da lua. 

Estava desiludido no ensaio. Acabei ficando com um solo para o qual eu não me preparei. Me pergunto quanto tempo vai levar até perceberem que eu sou uma fraude. 

Não quero me iludir novamente. Vou dormir um pouco mais amanhã. Mas reconheço que, por um instante, imaginei que se ele sentasse ao meu lado poderia haver uma faísca. É sempre assim, há algo de profundamente estúpido no meu imaginário que sempre me tende ao romântico. Mas a realidade não é assim.

Acabei de me dar conta que nunca vi o rosto do rapaz que está cantando no vídeo. Sempre escuto suas versões de músicas japonesas famosas, mas tudo que vejo é sua mão dedilhando um violão com delicadeza, agora notei também que ele pinta as unhas, como eu fazia antes, quando eu tinha um pouco mais de disposição. Mas sempre me lembro de sua voz, acho doce o bastante para me acalmar. Prefiro as versões dele que as originais, as bandas japonesas gostam de colocar guitarra demais nas músicas. 

Pelo menos fiquei mais em silêncio essa semana. E não vou sentar ao lado de ninguém amanhã. Não haverá faíscas. Vou dormir e amanhã verei série, e talvez caminhe até o trapiche e escute um pouco o som das ondas enquanto sinto a brisa salgada no meu rosto. Espero conseguir ficar em silêncio mais tempo, e fazer disso um hábito, e depois uma virtude. 

Sopra um vento frio da porta aberta, e consigo ouvir uma festa ao longe. A música está baixinha, e já deve ter começado a chover aqui perto, pois sinto o cheiro de terra molhada. Começou a versão cover de uma música do back number. Acho que gostei de todas as versões que ouvi, especialmente a do trio do BUDDiiS (Kevin, Hidetoshi e Shoot) e essa do Akala Kai, menos a original. 

Acho também que essa é a primeira noite que aproveito, depois de muito tempo. Mesmo sozinho.

Pouco
a
pouco 
fui 
ficando 


Imperceptivelmente:
Pouco
a
pouco.

É triste a situação
de quem gozou de boa companhia
e por algum motivo a perdeu.

(Nicanor Parra)

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