sábado, 19 de outubro de 2024

O Padecer

"Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada." (Hilda Hilst)

Nada mais precisa ser dito depois do "Eu te amo nego" de cada noite ou cada manhã. Porque nada mais importa e nada mais há no meu coração. E, não sendo mais do que sou, sendo todo amor, penso em você e meu silêncio, meu vazio, de repente se enchem desse significado único e profundo. Ainda que seja só eu. Em chamas me consumo, como pólvora explodo, e torno a renascer a cada manhã. Meu amor renasce exultante. Seria isso um pouco de esperança, uma fagulha?

Una é a vida, una é a morte. 

As últimas noites foram como um vulcão erupçando. Lava e pecado sendo lançados na atmosfera, o vapor quente de meus lábios. Uma risada metálica, distante, me perturbando. São tempos difíceis. 

Claramente ciclei para cima. Depois de semanas depressivo, muitos dias sem nem conseguir me mover direito e, em outros, praticamente me arrastando para cumprir as obrigações de qualquer jeito, eu finalmente encontrei um pouco de disposição. Nos últimos dois dias eu fiz mais no trabalho que em todas essas semanas. Nos últimos dois dias eu fiz mais do que qualquer outro faria em um mês. E minha mente em profusão. Claro que alguns ficam felizes com isso. Eu, por outro lado, tenho medo desses dias. Medo do que posso fazer, dos amigos que perdi, e dos desejos incontroláveis que sinto. Como interromper a torrente de pensamentos? Como controlar os desejos? Como ficar normal? Como ser normal, aliás? Como fugir dessa dicotomia flutuante entre ser e estar bem? Alguma vez eu estive bem de verdade?

Percebi, de novo, o quanto eu sempre sou o chato do rolê. É porque eu sempre sou pesado, e se não me convidam pro almoço é porque o assunto do almoço sou eu. Ou talvez nem tanto. Não sou importante assim. 

Já perdi a conta de quantas vezes usei essas frases em destaque, a da Hilda e de Shakespeare, o que é um eufemismo nada discreto para dizer que essa minha fase de mania também comporta uma boa dose de tesão acumulado, ao passo que nas outras semanas eu experimentava apenas a completa apatia sexual.

É também nesses dias que me dou conta do quanto sou idiota, do quanto sou refém das idealizações românticas, do quanto continuo me humilhando por um amor não correspondido. De novo. E de novo. 

Preciso diminuir a frequência. É a enésima vez que levo um fora, ainda que discreto, e ainda dói, e eu ainda insisto. Patético. Acho difícil que os óleos de lavanda e copaíba consigam me ajudar a dormir um pouco. Apelei também para uma playlist calma, um relaxante muscular e um Zolpidem. Para o amor, ou essa estúpida paixão que eu sinto, não há remédio: padecerei até a morte.

"Falecendo no triunfo, como fogo e pólvora que num beijo se consomem." (Shakespeare)

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