Silêncio, silêncio, é chegado o fim da hora dulcíssima do sono. O despertar com o sol quente e incômodo no meu rosto. Até tento virar para um lado, mas ele começa a tocar minhas costas e eu tenho nojo desse calor que diz que é hora de levantar, de ir para mais um dia, de passar o tempo todo desejando voltar para casa, e quando volto, apenas quero dormir, sendo o estudo e as séries apenas um breve intervalo, um pequeno respiro entre um açoite e outro. E a minha vida segue sendo essa tortura, sempre escravo de um sistema tão grande que muitos nem percebem fazer parte dele, de um grande organismo que alimenta o mundo, às custas da vida de cada pobre homem que levanta, ainda antes do sol claro, ou que é incomodado por essa luz inconveniente a interromper o doce sono do descanso. E ainda querem que estejamos sorrindo. Sorrir tem sido a coisa mais difícil a se fazer ultimamente, e pessoas sorrindo têm me irritado mais do que qualquer outra coisa. A vida é realmente uma coisa patética.
"É como se a poeira estivesse se assentado aos móveis."
Eu não entendi o que ele quis dizer com isso. É como se eu tivesse aceitado a distância entre nós como uma fatalidade, como quem olha o passado com melancolia pelos amigos perdidos ao ver os sorrisos numa fotografia amarelada? De todo modo, essa sua frase me deu essa imagem melancólica, essa imagem de que simplesmente aceitei a tristeza inconteste. Aceitei. De fato, não me parece que exista um sonho ou um céu a se perseguir, apenas a dor e a tristeza que, a cada dia, encontram novas formas de nos visitar. E a distância é uma delas.
Por mais que neguemos, a rotina nos engole, ela nos envolve como ondas revoltas de um mar impetuoso do qual não é possível escapar. E assim sinto que, nesse naufrágio, soltamos as mãos, e nos distanciamos sem saber se nos reencontraremos em alguma praia. É uma impressão que a cada dia vem se marcando de modo mais e mais profundo no meu peito, assim como a saudade que sinto.
Não é a primeira vez que me acontece. Há anos atrás senti que o cristal delicado de outro relacionamento se quebrou, e nunca mais tornou a ser o mesmo. Ainda hoje permanece quebrado, senão que seguimos com algumas pontas dessa taça despedaçada. E agora sinto o mesmo, que venho tentando tratar como inteiro, algo que já se fragmentou. Não por culpa nossa, nem minha e nem sua. E por isso questiono aqueles que me cobram uma visão positiva do universo ou da própria vida.
Eu nunca tive grandes sonhos ou aspirações. Mas até o pouco que ousei sonhar, como ficar ao lado de quem amo, como poder segurar sua mão, ou deixá-lo encostar sua cabeça em meu ombro enquanto seco suas lágrimas. Até isso me foi privado, com uma violência brutal, como se estivesse exigindo ser o mais rico e poderoso dos homens. Mas não, nunca quis esse poder, apenas quis poder amar. Mas o meu amor se tornou, até para ele, motivo de risos e piadas, um nada, um fiasco. E é por isso que essa poeira, essa visão embaçada do mundo que me rodeia, se impregnou no meu ser. É por isso que esse pessimismo se tornou a única coisa que meu coração machucado é capaz de sentir.
Não consigo imaginar Sísifo feliz, não consigo ter amor ao destino, não consigo superar o eterno retorno. Não consigo parar de amar. Não consigo parar de te amar.
Sei bem, porém, que isso me torna ainda mais distante de todos. Sei que sou chato perto da maioria. Sei bem disso, e sei bem que se você se afastasse de mim, isso seria mais do que justo. Afinal todos os outros se afastaram, meu amor de nada adiantou para que ficassem, antes disso, foi ele o motivo de terem partido.
"A gente precisa parar tudo às vezes, até pensamentos, palavras ou obras. Meu avô alemão tinha um ditado que de tanto ouvir decorei, 'Tee Trinken Und Abwarten'. Tomar chá e aguardar." (Lygia Fagundes Telles)
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