domingo, 6 de outubro de 2024

Mundo Real

"O meu pecado foi este: eu procurei o prazer, a beleza e a verdade não nEle, mas em mim e nas demais criaturas. Esta busca levou-me apenas à dor, à confusão e ao erro." (S. Agostinho)

Lidar com pessoas é sempre cansativo. Sempre. Parece que o destino inescapável do homem é tentar ajustar-se no Dilema do Ouriço. O tempo todo. Tentando não se machucar ou não machucar demais o outro. Mas nós seguimos machucados, e o outro segue ferido, e o mundo continua a fazer frio. E todos seguem sem conseguir se entender, e o gosto amargo tem ficado mais forte na minha boca, a ansiedade crescente, pela noite de hoje, pelo amanhã, pela próxima semana...

"Porque não suporto ver quem eu amo sofrendo"

Ele não tinha nenhuma razão para se preocupar com aquele garoto, que apenas cruzou seu caminho num momento ruim. Mas agora estavam ali, semanas depois, dormindo juntos todas as noites. Ele o acalmou numa crise de pânico, apanhou de um segurança no lugar dele, fez ele voltar em segurança pra cama num episódio de sonambulismo, emprestou seu ombro para ele chorar depois daqueles horrendos pesadelos, ficou ao lado dele, e isso era tudo que aquele garoto precisava.  

De repente, de estranhos que tiveram destinos cruzados, a pessoas que não sabem ainda o que são, mas que não podem mais ficarem separados. Precisam cuidar um do outro, apoiar um ao outro, porque não suportam ver quem amam sofrendo. Porque precisam daquele abraço apertado, que faz cessar as lágrimas, que traz de volta a segurança. 

Agora, de volta ao mundo real.

Vi uma foto daquele rapaz com a namorada num fim de tarde no trapiche. Lembrei que já faz alguns meses que não vou lá, ainda que seja pertinho da minha casa. Mas não senti nada ao vê-lo namorando. Me incomodei um pouco quando descobri, é verdade, mas não sinto mais nada, e nem me importei em mudar um pouco meu caminho para casa. Agora ando alguns metros à menos, e não passo em frente a casa dele, afinal não tem ninguém esperando por mim lá. Em verdade não tem ninguém esperando por mim, em lugar algum.

Isso é estar de volta ao mundo real.

Sempre tão difícil, 
incompreendido, 
sozinho, 
mortal!

"Eu era feliz sobretudo quando, na cama e envolvido no cobertor, sozinho, no mais perfeito isolamento, sem ninguém ao meu redor nem um único som de voz humana, começava a reconstruir a vida à minha maneira." (Fiódor Dostoiévski)

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