sábado, 26 de outubro de 2024

Ode à Tristeza

"As flores do campo da minha infância, não as terei eternamente, 
Em outra maneira de ser? 
Perderei para sempre os afetos que tive, e até os afetos que pensei ter? 
Há algum que tenha a chave da porta do ser, que não tem porta, 
E me possa abrir com razões a inteligência do mundo?"
(Álvaro de Campos)

Passei um café antes de me sentar e começar a escrever.

Preciso voltar a aproveitar momentos, e não apenas passar por eles com a maior rapidez possível. Já há algum tempo venho notado que eu não aproveito nada, que eu não vivo mais. No trabalho espero a hora de chegar em casa, não faço mais pausas e nem converso com ninguém como antes. Não encontro instantes para fazer um chá e relaxar brevemente sentindo cada nota de sabor, ouvindo atentamente a música baixinha. Em casa sempre quero dormir, o mais rápido possível, nem mesmo vendo séries eu paro mais, atento a cada plot, a cada atuação, a cada momento inspirador. Já não fico mais na varanda, tomando um pouco de vinho enquanto escuto música, relaxando o corpo antes de dormir, vendo as luzes ao redor, sentindo o cansaço, mas satisfeito. Já não caminho mais até o trapiche para ouvir o som do mar e o barulho das ondas. 

Há muito tempo que eu sempre estou cansado demais, chateado demais, triste demais para isso. 

Há muito me vejo como naquela passagem dos Diários de Franz Kafka, 1910:

"Domingo. Dormi, acordei, dormi, acordei, vida miserável." 

A verdade é que eu queria muito encontrar uma brecha, um dia de folga em que pudesse dormir assim. Porque tudo tem sido penoso. 

Tentei ficar um pouco mais acordado ontem. Mas não sei se cheguei a aproveitar o tempo realmente. Admito que só queria apagar. 

Como faço pra conseguir aproveitar algo de novo? Pra conseguir encontrar alguma felicidade de novo? Só queria alguns momentos, por mínimos que fossem, felizes ou, ao menos, não tão infelizes, não tão repletos de desamor. 

Precisei disfarçar as lágrimas algumas vezes nos últimos dias. Não pelo excesso de trabalho, como foi nas últimas semanas, mas porque me encontro triste, e não encontro sequer palavra mais poética para dizer isso. Porque não há. Estou triste. Pura e tão somente isso. Triste porque amo, e esse amor tem sido demais, e já não sustento mais amar sozinho. Amar sozinho é dolorido demais. 

Bem, isso é tudo. Não há complementação. As almas não se afobarão para preencherem umas às outras. Existe um vazio bem no meu âmago, e esse vazio parece me assustar desde que me lembro, talvez desde meu primeiro pensamento. E o vazio não permanece o mesmo, ele só aumenta.

O meu café ficou amargo demais. Acabou esfriando.

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