quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Em Braços Inexistentes II

Tem sido um processo complicado, dolorido, silencioso e, acima de tudo, solitário. Não poderia ser diferente. A fingida indiferença para ajustar os pontos desequilibrados do meu peito, manter uma resolução firme demonstra a força de um espírito, e é preciso vencer as inclinações sensíveis as quais me submeti. 

Mas, ao invés de não falar com ele, não tenho vontade de falar com mais ninguém, apenas de me isolar num canto e, quieto, esperar que os dias passem. De algum modo conseguir aproveitar o tempo, mas tudo parece sem graça, vazio e sem contorno. A presença do outro tem me incomodado. A voz do outro tem me incomodado, ainda que queira, do outro, a companhia. E é nesse ponto que o espírito se embate com a carne: quem precisa dessa aceitação do outro é meu espírito ou minha carne? Quando desejo a simples presença de alguém, é meu espírito ou minha carne?

Mesmo agora não tenho nenhuma palavra. Vai fingir que não sabe o motivo de eu estar assim? Sabe que é porque eu já disse tudo que tinha a dizer, e mesmo assim minha resposta sempre foi seu silêncio. Agora quem silenciou fui eu. Mas que tolice a minha pensar que seria diferente, que você me diria algo. Não, apenas continua em silêncio. Que besteira achar que o meu amor significaria algo a ponto de você romper seu silêncio. Mas eu já sabia, só não queria ver. Sabia e fingia não saber, que eu não sou tão importante assim.

Bem, agora você não precisa mais que eu o incomode, não precisa lidar com um apaixonado incômodo. Meu silêncio pode, no máximo, ser para você um outro tipo de incômodo. Ao passo que seu silêncio sempre me machucou. Mas isso não importa mais. Você vai seguir em frente, como todos seguiram sem mim, sem que meu amor ou minha amizade importem. Não importam. Nada importa. Meu amor não passou de um incômodo. 

Tentei repetir o processo da outra noite: brisa fresca pela porta, música baixa, escrevendo nesse ambiente gostoso. Não deu certo. Senti apenas um vazio gigantesco no peito. A vontade de que você mandasse mensagem. Mas não houve nada. Apenas silêncio. É tudo que você tem para mim não é? Pelo menos o vinho estava bom. 

Ontem, eu morri;
hoje, não me refiz.
Não me refiz por uma 
única e grande razão:
porque não havia
mais nada
que valesse a pena

ser refeito.

(pevon) 

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