Mick e Top, Every You Every Me |
(Fernando Pessoa)
Imagens de poesia. Imagens que despertam a contemplação do belo ao nosso redor. Imagens que, apontando para existências e realidades superiores, nos elevam o pensamento. Ao céu sobe. Uma vez fitando o sol do Amor, atingimos aquilo que de que falava Santa Tereza "nada te angusties, nada te perturbes."
Mas o que essa beleza, terrena, temporal, instável, pode me ensinar? De que adiantam essas cenas poéticas se todas elas se esvaem depois do fim do episódio, se envelhecem as peles perfeitas e os sorrisos se desfazem em carreiras decadentes?
É que isso é tomar a beleza nesse sentido puramente imediato, imanente. A parte imediata da beleza é apenas e tão somente aquele que diz respeito aos sentidos. Mas, o homem contemplativo, aquele que atingiu a Bios Theoretikos, ele toma a visão sensível como sinal das eternas. É a primeira das lições metafísicas, e Platão já ensinava isso: o mundo sensível é um reflexo diminuído do mundo das ideias perfeitas. Em termos cristãos: a bondade que vemos o outro fazer ou que fazemos, a beleza que enxergamos na criação e nos seres todos que "cantam a glória de Deus", são um reflexo, uma emanação de Deus, apontam para Ele de algum modo.
Por isso, embora aparente apenas um pedantismo intelectual ou uma vaidade tremenda, o homem maduro se encanta com a beleza, pois sabe que ela aponta para uma beleza ainda maior, essa sim perfeita, que jamais se diminuirá. O que há de belo no mundo é reflexo, diminuto, que vemos ainda embaçado, da beleza divina, termo, aliás pleonástico, afinal se é divino há que ser necessariamente belo, ao passo que a beleza, tendo sempre algo de divina, não é necessariamente, uma vez que pode ser tomada no sentido contrário ao do seu próprio ser e, isso, afastar-se do divino.
O homem imanente, kantiano, vê a beleza apenas no sentido achatado dos prazeres sensíveis. O homem maduro se encanta, sim, com a beleza, mas não fica nela, ela o convida a contemplação do eterno.
A beleza a qual me refiro aqui, é a beleza de uma pétala de flor que voou com o vento e pousou perto dos meus pés. É a beleza dessa manhã fresca e nublada que, de tempos em tempos, faz cair dos céus algumas gotas finas de chuva. É a beleza das grandes telas, afrescos e das sinfonias. É, sim, a beleza dos homens, daqueles que encarnam em si as figuras das musas que contam as histórias dos grandes feitos dos deuses. É uma contemplação, no entanto, e por definição, já que todos podem ver essas obras, sempre solitária. Pois é apenas no coração do homem que o sensível por se transmutar em desejo de Deus. Mas é também essa contemplação solitária, que permite o homem entender que o outro homem também está sozinho.
Mick e Top me puxaram a essa reflexão. Em Every You, Every Me, na delicadeza de cada ação, de cada olhar, de cada toque simples. Como se eles parassem o tempo e, vendo apenas um ao outro nada mais importava. Tinham apenas aquele momento que, no entanto, se estendia pela eternidade: não queriam jamais sair da companhia de um e outro.
Continuo vendo imagens de poesia, imagens que despertam minha imaginação, imagens que me inflamam o peito. Imagens que, de tão belas, parecem sonhos etéreos, véu de Maya diante de meus olhos, mas que me fazem desejar sempre algo mais. Ainda que sozinho.
"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro." (Hélio Pellegrino)
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