terça-feira, 15 de outubro de 2024

Desejos Distintos

Holly Warburton

Que mais tem que desejar?
Senão sempre amar e amar,
E, no amor toda incendida,
tornar-vos de novo a amar?

(Sta. Tereza D'Ávila)

Percebe o quanto estamos distantes? Não me refiro apenas a falta de tempo pela nossa rotina. Me refiro a uma distância maior, uma que não pode ser medida em questão de tempo e espaço. Uma distância mais profunda e essencial, uma diferença que se encontra no interior mesmo de nossos corações. 

Percebo, e essa constatação é uma daquelas que me fere e corta profundamente como aço frio, que não temos os mesmos objetivos. Não me atrevo a sondar e dizer quais os seus, mas, enquanto penso em você, vejo justamente a profusão de pensamentos que o dominam, a quantidade de assuntos que rodeiam sua mente. Então, se me observo por um instante, vejo como estamos distantes, o quanto estamos sempre falando de coisas diferentes, o quanto estamos em lugares diferentes, o quanto queremos coisas diferentes. 

Mas o que eu quero? Se digo que não tenho sonhos ou desejo... Eu não sei, mas não é difícil de perceber o quanto esse amor ocupa minha mente, meu coração e, enfim, todo meu ser. Ao mesmo tempo que vejo que a cada dia me toma mais um pessimismo que se me torna descrente ao amor, aos outros, o que me faz evitar conhecer pessoas e me afastar das que já conheço, também me sinto preso a esse sentimento, preso a esse amor. De tal modo que, mesmo sabendo que não é correspondido, que nossos modos de amar são tão distintos, a minha mente, meu coração e, enfim, todo meu ser, não conseguem escapar desse sentimento que, sendo mais do que sentimento, é algo que orienta tudo que sou, a todo tempo, é como se ele fosse o eixo ao redor do qual gira toda minha vida.

Mas apenas eu penso assim. E por isso escrevo. Em silêncio, minhas palavras provocam minha catarse sem que isso o incomode. E sem que ele me responda, vou dormir, sonhar, vou principalmente amar, amar profundamente e me entregar a escuridão profunda. Enquanto a agitação do mundo o faz olhar para todos os lados, 

sem nunca me ver. 

Retomo meu pensamento, pouco antes de dormir completamente chapado de remédios, a abordagem da obra de Hideaki Anno acerca da solidão, e como cada um de seus personagens lidam com ela. O isolar-se, o buscar adaptar-se ao outro e aos seus desejos e expectativas, os mecanismos de compensação que mascaram o medo do estar sozinho. 

Estou sozinho, e essa é minha experiência humana mais basal e brutal. A cada instante de meus dias eu a sinto. E vejo que tento me adaptar ao outro, quando aceito trabalhos em prazos absurdos sem reclamar. Vejo que me isolo, que não consigo fazer amigos: quando estou com o outro, não consigo me interessar ou me aproximar realmente. Não consigo me conectar. Todos têm desejos distintos demais...

Sei que isso parece elevado, abstrato demais. Mas não o é. Na verdade, é apenas a expressão de uma experiência básica, algo ainda na quarta camada da personalidade, de alguém que apenas busca ser aceito pelo meio, mas que, ao tentar seguir em frente para a próxima camada, já está consciente dessa dificuldade. 

Então eu simplesmente levanto, engulo os remédios com um bom gole de água. Coloco uma playlist para tocar e mergulho, na profundidade da minha escuridão. Sim, porque o coração, por mais que ame, se não encontra amor, acaba em simples escuridão. E assim se acaba a vida. O amor é hostil e amar é inviável.

"Poucos querem o amor, porque amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões [...] Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor." (Clarice Lispector)

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