"A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia." (Marina Colasanti)
Eu só queria, para variar, chegar em casa sem estar tão cansado a ponto de não conseguir fazer mais nada. Muitas vezes, como no último fim de semana, e dormi por mais de dezesseis horas em cada dia, porque não conseguia nem me mexer. Eu só queria chegar em casa sem sentir que deixei cada fiapo, cada pequeno fragmento de vida para trás. Que entreguei aos outros o que restou da minha centelha, e que eles sorriem com a minha dor e meu desespero. Talvez se alimentem de meu cansaço. Nem um dia inteiro se passou e já estou exausto. Isso não é normal. Não pode ser normal. Mas todos acham que isso é nada mais do que o normal. Não pode ser...
Eu queria não ter recorrido a isso de novo. Terceiro dia seguindo enchendo a cara de remédios pra dormir. Terceiro dia seguido em que não quero ver nada. Em que aguento calado e sorrindo os da rua e destrato minha própria mãe. Eu inverti as coisas, me desconectei. Agora estou fora de órbita, desconectado, e sinto falta.
Mas do que sinto falta? Das migalhas? Do silêncio quando eu implorava por atenção, por amor recíproco ou, pelo menos, por uma resposta?
Eu me acostumei com o nada. Mas eu não devia.
Não devia ter deixado o trabalho me sugar tanto, a ponto de tratar os ilustres desconhecidos melhor do que trato minha família. Eu falhei miseravelmente. Não devia ter deixado que as coisas chegassem a esse ponto. Não devia ter deixado ficar tão dependente desses remédios, e nem ter tomado tanto horror do mundo ao meu redor que ele se tornou insuportável sem essas drogas que me apagam. Me apagam pra amanhã acordar de novo, barriga inchada e boca seca, para mais um dia infernal, de mensagens, orçamentos, emergências que surgem como baratas saem de um bueiro. Não devia ter me apaixonado, e não devia ter deixado que me apegasse tanto assim.
Não devia, mas agora é tarde demais.
Agora a festa acabou,
a centelha se apagou,
o fôlego da juventude se esvaiu,
a teogonia se silenciou,
o tempo passou.
E a complementação, as mentes que desapareceriam, afobando-se para preencher o vazio da mente, a Instrumentalidade que faria todas as cosias voltarem a inexistência, ou melhor, aquele útero primitivo que perdemos muito tempo atrás, atingindo o equilíbrio, não aconteceu.
Esse é o fim.
De tudo? Não sei. Mas é o meu.
It all comes tumbling down, tumbling down, tumbling down... It all returns to nothing.