terça-feira, 29 de novembro de 2016

Últimas palavras

Mais uma vez eu escrevo pensando em você, e mais uma vez toda e cada uma das palavras aqui escritas estão repletas de todo o sentimento que tenho e alimento por você. 

Alguns momentos antes de me sentar em frente ao computador e dar início ao meu processo criativo de escrita, eu contemplava o céu desta noite sem estrelas. E observando os poucos pontos luminosos que ela continha e as nuvens que aqui e ali apareciam em pequenos filetes de algodão corrompidas pelas correntes de ar que lá em cima correm eu pensava justamente na grandeza do mundo, e nas distâncias que essa grandeza nos proporciona.

Não estamos exatamente muito distantes um do outro. Algumas poucas horas de carro são suficientes para dar conta disso facilmente. Hoje em dia, com todo o aparato tecnológico a nossa disposição nem mesmo alguém que mora no Japão é completamente incomunicável e inalcançável, a menos que ela queira. E é aí que entra nossa situação. 

Entre nós existe uma distância que faz a distância entre o Brasil e o Japão parecer com a distância que há entre minha casa e a padaria da esquina. Entre nós existe uma distância que nem mesmo os mais potentes computadores da NASA conseguiriam calcular, e que não pode ser vencida nem mesmo pela velocidade da luz. Entre nós existe mais do que uma distância muito grande, existe uma barreira intransponível. Uma verdadeira muralha que impede que um atravesse para o outro lado. E no entanto, como que numa brincadeira do destino eu ainda consigo te enxergar, justamente para ver que a cada dia essa distância entre nós cresce ainda mais.

A amizade que havia entre nós morreu. Ainda que me diga guardar consideração por mim não há amizade onde não há comunicação, onde não há contato. Pode haver sim sentimentos de apreço, admiração, mas amizade não. Talvez esteja errado e me equivocando ao afirmar isso, pois sei que existem amizades que sobrevivem a anos de distância. No entanto essas amizades foram forçadas a isso, e esse não é nosso caso. Muito pelo contrário. Todo o mundo se encontra a nosso favor para que ainda houvesse amizade entre nós, e no entanto sequer trocamos uma dúzia de palavra em nosso último encontro.

Encontro aliás que me destruiu completamente. 

O corpo que fisicamente já se encontrava debilitado teve de suportar uma dor que o deixou também psicologicamente esgotado. Talvez 'desfalecido' seja uma palavra mais apropriada. Olhei você por apenas um ou dois segundos, e logo virei a face. Mas já era tarde demais, não houve tempo suficiente para erguer as proteções que eu havia criado para o caso em que precisasse tornar a te ver. Naquela hora eu caí por terra, lançado violentamente contra um chão frio e duro que me fez em pedaços.

Nosso abraço, nossos cumprimentos, apenas formalidades... Não senti calor, não senti nada além de dor. 

Mas eu me controlei. 

Não me lancei aos seus pés e mesmo que a muito custo consegui conter as lágrimas. Mas minha voz foi afetada, e quase não conseguia cantar como de costume. Meu equilíbrio também se abalou, não consegui ficar de pé e agradeci a compreensão de meus amigos em perceber que já não estava mais bem.

Isso porquê o amor que desenvolvi por você se tornou algo tóxico para mim. Cada vez que olho para você ou que penso em você com mais intensidade é liberada dentro de mim uma substância que transforma meu próprio sangue em veneno, e que começa a corroer o meu próprio interior como um ácido. Mas não estou dizendo que você me faça mal. O sentimento que criei por você é que o faz.

Não há necessidade de mais uma vez me alongar em dizer como isso chegou ao estado em que se encontra. Você sabe que quando começamos a nos aproximar, juntamente com nossa amizade nascia dentro de mim algo maior. Um sentimento de paixão que aos poucos ia tomando conta do meu ser, e ganhando cada vez mais espaço acabou tomando também de mim as minhas esperanças, meus sonhos e meus desejos. De repente eu me vi sem nenhuma outra perspectiva no mundo senão a de te possuir. 

Mas isso não era possível e tão logo percebi o quanto essa situação perigosa eu lutei para conseguir esquecer o que havia criado dentro de mim.

Fui embora para outra cidade, mas não aguentei e retornei depois de alguns meses. De volta, comecei a namorar na esperança de que conseguisse te esquecer. Não funcionou e logo comecei a me abater com isso. Foi então a sua vez de ir embora, e como isso me afetou... Era como se arrancassem de mim o meu próprio coração. Assim eu me senti sabendo que você ia para longe. Mais uma vez eu comecei a namorar na esperança de te esquecer mas isso só piorou ainda mais a minha situação. 

Foi então que eu percebi que quanto mais eu tentava fugir do meu sentimento por você, mais ele me conduzia para o labirinto de uma confusão afetiva sem precedentes. Quanto mais eu tentava fugir mais eu me embrenhava nesse amor.

Mas um amor quando não correspondido ele se desespera, e foi o que aconteceu comigo. Eu me desesperei. 

A vontade de gritar até enlouquecer é agora minha companheira diária. A própria loucura já me é uma doce amiga que as vezes me bate a porta, buscando abrigo.

E em dias como esse, em que ela me acolhe em seu colo e me permite nele chorar é que eu torno a olhar para a imensidão do céu e a contemplar com tristeza o imenso abismo que existe entre nós. Olhando para esse céu eu me dei conta da imensidão do mundo, dos milhões e milhões de pessoas que sob esse mesmo céu hoje nascem, morrem, amam e odeiam. E ainda olhando essa imensidão de veludo azul escuro eu me desesperava ao ver que, mesmo tendo bilhões de pessoas a minha volta, você ainda é a única que importa para mim. A única por quem eu morreria, a única por quem eu viveria. 

Mas você não sabe disso, e se sabe, isso não faz diferença, pois a verdade é que, não importa o quão forte e intenso seja um amor, ele será capaz de todos os feitos, menos de forçar outra pessoa a amar. Isso é algo que nem mesmo o amor é capaz de realizar. Talvez nem mesmo os deuses possuam tal capacidade. Isso quer dizer que, não importa o quanto eu o ame. Não importa quantas dessas cartas eu te escreva. Não importa quantas lágrimas eu derrame. Eu nunca serei capaz de fazer você me amar, a menos que você decida por isso. 

E eu sei que isso não vai acontecer.

Minha condenação é então aceitar essa realidade. Aceitar que as coisas são assim e tentar de alguma forma seguir em frente sem você. Sem seu amor e sua amizade. Por mais que seja difícil eu preciso encontrar novos objetivos, novos rumos, novos amores. Eu preciso voltar a viver! E isso só vai ser possível quando eu deixar de sentir o que sinto por você. 

Por isso eu gostaria de dizer que essa é a última carta que eu escrevo para você, mas não sei se isso será de fato verdade. Talvez dentro de mim eu consiga encontrar a força necessária para afogar esses sentimentos, talvez eu encontre também a coragem para acabar de vez com minha vida e não mais ter motivos para me preocupar. Talvez, quem sabe, essas sejam as últimas palavras que eu escreva para você. Talvez depois de queimar essa carta eu consiga seguir em frente, sem olhar para trás. 

Talvez.

É irritante notar que mesmo aqui, nos limites de uma decisão que eu preciso tomar visando minha própria sanidade mental, eu ainda alimento dentro de mim ilusões de um mundo onde os meus sentimentos encontrariam em você a reciprocidade que tanto desejo. Até aqui o fantasma da esperança que me conduziu a morte ousa me atormentar e me impedir de ser feliz. Como se uma mão fria me impedisse de seguir em frente, segurando meu pulso como cabos de aço. 

Mas é só isso que sobrou do meu amor agora: um fantasma apagado. Como brasas que queimam fracas, prestes a se apagarem. E meu único temor é que elas voltem a se acender. Como eu queria poder lançar sobre elas um monte de areia. e as apagar, impedir que elas voltem a queimar e se arderem de amor por você mais uma vez, pois o único que se queimou com elas fui eu. Meu coração foi a única vítima desse deslize emocional que tragicamente me transformou num louco alucinado.

Milhares de imagens passam rapidamente pela minha cabeça, me revelando num breve momento de lucidez o quão alucinado eu me tornei. Nesse momento eu escuto o 3° movimento da 6° Sinfonia de Tchaikovsky e uma marcha militar se cruza com uma marcha fúnebre numa melodia assustadoramente macabra. Como se os instrumentos chorassem as lágrimas que eu não consigo mais chorar. E essas lágrimas de dor se tornam lágrimas alucinadas, que prorrompem num grito, um urro de dor, desespero por uma realidade que eu já não suporto mais carregar.

A música alucinada cessou !? Em seu lugar se ouve agora o adagio lamentoso que provavelmente será o tema de minha própria passagem desta vida para a eternidade. Trata-se mais uma vez dos instrumentos que tomaram para si a minha dor e que a transformaram em acordes escuros e profundos, que refletem com precisão a escuridão da lama em que me lancei por conta desse amor louco que eu inventei por você. 

Mas, assim como os últimos acordes dessa sinfonias falam da morte de um herói que caiu depois de muito lutar por um amor impossível, eu espero que também seja capaz de sepultar esse meu amor, e de fazer com que ele desapareça da mesma forma que lentamente o som vai se desfazendo em tristes notas impulsionadas pelo ópio. 

E como esses acordes aos poucos também as minhas forças se vão... Como disse no começo, desfalecendo, morrendo, desaparecendo... 

O que sobrará desta noite? Certamente não serei mais eu! Ao menos não da forma como o mundo me conhece e como eu vejo o mundo. 

Não serei mais eu a viver pois...

Esse que hoje é apaixonado por você morre aqui!

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