terça-feira, 20 de novembro de 2018

De rótulos e definições

Apenas um Garoto, de Bill Konigsberg, é um livro autoconhecimento. Rafe é um garoto que se assumiu gay tão logo entendeu o que isso significava, mas o tempo passou e ele notou que as pessoas faziam tanto alarde sobre ele ser gay que o rótulo acabou por ofuscar quem ele era de verdade. Sentia que os outros o viam apenas como o garoto gay que saia por aí dando palestras sobre aceitação nas escolas, e por isso decidiu entrar numa escola para garotos do outro lado do país, onde poderia omitir o fato de ser gay e assim viver sem a obrigação de ser um ativista em tempo integral. 

É um romance delicado, e Rafe tem um senso de humor muitas vezes ácido e cruel, de uma franqueza brutal, e quando acabei me vi em completo pânico. Não percebi que chegava no fim do livro, e o devorei em dois dias, sentindo-me incompleto agora que acabou e já desesperado pela continuação, que não sei se já foi lançada em português.

Mas isso aqui não é uma resenha, senão que uma reflexão que fiz sobre mim mesmo. Rafe se incomodava com o fato de ninguém vê-lo como algo mais do que um garoto gay. Daí sua alegria ao ser aceito no grupo dos atletas, que nem sequer pareciam desconfiar dele. As vezes também sinto que me olham se que me vejam de verdade, e as vezes, quando penso nisso, sinto que nem sequer sei o que gostaria que vissem. 

Afinal, quem eu sou? Eu sou capaz de responder a essa pergunta e ouvir o conselho de Delfos "conhece a ti mesmo"?

As pessoas me enxergam como alguém com um gosto peculiar, um mau gosto. Escuto músicas que a maioria não escuta e que consideram estranhas, mas há quem goste. Quantas horas passo ouvindo as músicas que meu ex me envia, e quantas vezes conversamos sobre esse ou aquele lançamento? Assisto séries que ninguém nunca ouviu falar, mas quantas pessoas começaram a ver por sugestão minha e hoje são tão apaixonadas quanto eu? Tenho um amigo no Espírito Santo que simplesmente é apaixonado por Waterboyy e My Bromance, além de ter visto My Tee todinha comigo também. Eu não sou mais uma aberração cultural, mas acho que eu gostava de ser, me dava uma aura de autenticidade. 

Mas se não sou mais um extraterrestre que só gosta do que a maioria não gosta, o que eu sou? O que me define?  

As minhas responsabilidades não são mais do que um amontoado de coisas malfeitas que eu assumi para mim com o objetivo de reorganizá-las ao meu gosto para que não me incomodassem mais. Simples. Também não quero que me vejam como alguém que se defina pela responsabilidade, me soa burocrático demais. 

Não sou como Rafe, rotulado como o menino gay e ponto. Muito embora eu tenha que admitir que isso tem um peso enorme na minha vida, como no presente momento que vejo algumas pessoas terem certa precaução em se aproximarem de mim. Medo talvez? Repulsa velada? Prefiro não pensar nisso.

Eu não sou o cara com gosto pra música ruim. Não sou o cara que faz mil e uma coisas na Igreja. Não sou o cara que estuda um monte de coisa que ninguém liga. Não sou o cara gay que por conta da carência excessiva está sempre solteiro. Não sou.  

Poderia dizer que sou a soma de todas essas coisas, e mais algumas que não me lembro agora. Como diz o adágio "o Todo é maior que a soma das partes". Eu sou o todo, mas o que é esse todo? Eu, evidentemente. Mas com o que esse todo se parece? 

As vezes me olho no espelho e não me reconheço. Em outros dias eu me acho fabuloso. E em outros dias eu não suporto me olhar, tamanha ojeriza de minha aparência. Então não posso dizer que me pareço com minha figura, porque ela mesma é desconhecida por mim. Ou talvez a fluidez da minha imagem seja um reflexo da fluidez de minha alma, e portanto de minha personalidade? Talvez eu queira que me vejam como uma metamorfose ambulante, mas isso não seria perigoso? Afinal eu não gosto da inconstância, mas do mesmo modo eu não gosto da vida estática. Talvez goste daquilo que resulta da combinação entre os dois: a realidade! 

A realidade tem em si algo de mutável, cambiante, e algo de estável. Talvez em mim haja um círculo de latência entre o que sou, o que era e o que posso vir a ser, e tem algo que ainda faz com que eu seja eu mesmo. Minha essência? Sou um ente. Sou Gabriel. Mas o que os outros veem quando me olham? 

Talvez não vejam muita coisa. Talvez não vejam nada! Talvez eu seja apenas um garoto. 

2 comentários:

  1. Eu comecei a ler o livro e não gostei, depois de ler seu texto vou dar mais uma chance.

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    1. Se tornou um dos meus favoritos <3 Depois me diz oq achou okay?

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