terça-feira, 13 de novembro de 2018

Torrente

Se o dia ontem se marcou por um silêncio quase sepulcral na minha cabeça, hoje ela me recompensou com um turbilhão de pensamentos que estão me levando a completa desolação. O sentimento de abandono retomou o seu lugar de costume, e já não vejo mais a sombra decidida que ontem eu dizia ter para me desapegar. 

Agora aguardo o efeito lisérgico de um Lexotan, na esperança de que o sono por ele provocado possa me aliviar um pouco a angústia. A música de Corelli tenta me conduzir a perspectivas mais elevadas que as de minha carne, apodrecida em pecado. A chuva cai forte, e uma torrente estranha quebra ruidosamente no chão bem a minha frente graças a uma calha malfeita que o meu pai improvisou. As gotas pesadas machucam as folhas e massacram as flores, enquanto massageia a terra, que a recebe de bom grado. 

Sinto-me como aquelas folhas, agitadas sem escolha por um temporal infinitamente maior do que minha capacidade de resistir. E tento resistir a um vendaval de sentimentos, que rodopiando me faz desejar até a exaustão. 

Meus músculos estão tensos como se estivesse sob forte pressão, e eu sei que isso é meu corpo ardendo em desejo. E bem sei também que isso é meu coração pedindo um basta, pedindo que eu largue dessa paixão. 

O que me entristece é saber que o efeito será passageiro. Primeiro a doçura da tontura, depois o sono, o sonho e horas depois, a dor de saber que ao acordar, tudo vai continuar igual. 

Tudo tão igual, buscando algo irreal. Nisso não sou como as flores, cujas raízes estão muito bem firmes na terra, e mesmo que cresçam em direção ao sol, não almejam voar no céu inacessível, senão que se contentam em florir o mundo, alimentando a alma de pobres poetas como eu. 

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