sexta-feira, 29 de julho de 2016

A fortaleza dos nossos sonhos

Minha sempre dizia que "nem tudo o que reluz é ouro" e me recordo que, na minha infantil inocência, ela me comprou um livro sobre expressões populares, quando lhe perguntei o que aquilo significava. 

Jargões à parte, acredito que a máxima "nem tudo é o que parece ser" seja uma das mais acertivas da vida e que sua aplicação se dê aos mais vastos campos do relacionamento humano. Principalmente quando insistimos em permitir que nossa mente continue a criar ilusões de uma realidade existente e nos esquecemos de contemplar essa verdade, mas a abandonamos em função de uma inventada por nós, ainda que inconcientemente. 

O que se dá é que estamos muito acostumados a nos perder imaginando realidades e fantasias cor de rosa, e nos esquecemos de fitar o outro de verdade que está bem à nossa frente. Acontece assim: as dificuldades e decepções da vida tendem a se acumular no nosso coração, e a cada novo obstáculo difícil de superar, acabamos adquirindo uma coloração um tanto quanto acizentada em nossa vida... Como uma cidade colorida, mas que perdeu sua cor nos séculos que se passaram e hoje, ao fitarmos uma fotografia antiga, nos parece triste e fria aquela que outrora já fora acolhedora e alegre. Da mesma forma é nossa forma de perceber o mundo que nos cerca.

Vamos então perdendo a cor, e logo mais o sabor, e isso se segue até que nos sintamos como que desensiblizados dos sentidos, levando, ou empurrando, uma vida sem graça e cada vez mais triste. Com isso, é normal que as vezes sejamos pegos a imaginar uma realidade melhor, onde os problemas se resolvam com mais tranquilidade e onde sejamos mais felizes. Esse devaneio por sua vez, vai ganhando força e maiores proporções, a medida que nos libertamos dele e somos obrigados a voltar a encarar o mundo real. Dessa forma, a realidade imagina caba deixando um marca em nossa alma, uma mescla de desejo e saudade. Essa mescla então, dentro de nós, se mistura às potências da imaginação e da memória, e acabam por criar um monumento, uma fortaleza, por assim dizer.

Essa fortaleza da fantasia, nosso conto de fadas particular, é então recheado com nossos sonhos mais íntimos e desejos mais latentes, bem como de nossas memórias mais agradáveis. Logo, essa realidade se torna tão agradável à vista e ao tato, que não demoramos em fugir com mais frequência para esse mundo cor de rosa. Ora, se aqui nossas dores não doem mais e se nossos problemas se vão ao menor de nossos eforços, porque motivo deveríamos então preferir voltar aquela realidade fria e sem vida? 

Então pode-se dizer que essa fortaleza seja produto de nosso desejos mais secretos e profundos. Que assim seja. Digamos então que o nosso maior desejo seja o de finalmente encontrar aquela pessoa tão importante para nós e que, assim a concebemos em nossa imaginação, tenha determinada caracteristica. Que seja amiga, companheira, carinhosa, enfim. Todos já imaginaram uma pessoa ideal. Todos. Sem exceção. Nem que tenha sido pra satisfazer uma necessidade noturna urgente. E então o que encontramos nessa fortaleza, não é apenas uma, mas um mundo de pessoas que correspondam à nossas expectativas e anseios. 

Fungindo permanenemente para esse mundo, não seria de se estranhar que logo estranharíamos esse outro mundo, tão difícil e complexo. O problema está quando, deixamos de viver completamente em função de nossos sonhos. E não digo que estamos correndo atrás desses sonhos, mas apenas daqueles que se limitam apenas a sonhar, e que usam dessa habilidade tão sedutora pra, como num reflexo condicionado à todas as adversidades, fugir do mundo real e construir uma vida inteira nesse parque da fantasia.

Falo isso com propriedade pois, antes de tudo, todas as linhas que aqui escrevi, se tratam primeiramente de mim. Tão habituado a fugir que as vezes até esqueço como viver no mundo real. Meu universo imaginário é tão repleto de pessoas perfeitas e de qualidades maximizadas ao extremo que me assusto em notar que ainda não tenha sido internado, por fuga da realidade. Bastam apenas alguns segundos para que eu saia de órbita completamente, e por horas fique vagando sem rumo, num universo que é todo fruto de minha imaginação e desejos. 

Voltando, por vezes inclusive, algo que procuramos possa estar a nossa frente, e acabamos que ignorando justamente por não corresponder as alucinadas expectativas criadas. Fora de qualquer controle. Acontece que determinadas caracteristicas são elevadas pela imaginação de tal modo que seria completamente impossível que existem no mundo real. Mas ignoramos essa verdade, acreditando que um dia, aquela outra verdade se mostrará. E nisso, perdemos as melhores chances que tínhamos de, colocando o pé de volta na realidade, ser feliz de plano, no sentido real do termo, não do fantasioso, que traz uma vida repleta de alegrias e deleites e nenhuma adversidade. 

Outra armadilha muito comum a que caem essas pessoas fantasiosas, é a de trasnportar certas verdades concebidas e maximizadas num plano superior, para essa realidade. É quando depositamos no outro, expectativas que o mesmo nunca poderia corresponder, e quando notamos isso, acabamos nos decepcionando. Daí nascem as decepções. Dessa imagem concebida no plano imaginário de nossa fortaleza cor de rosa, e transportada para o mundo real, onde seria impossível a ela existir sem a constante presença e influência de nossa imaginação. 

Para evitar cair nesse mundo tão sedutor, mas que na verdade acaba que por cegar os nossos sentidos e nos entorpecendo para a realidade, devemos aprender a enxergar também aqui, que nem tudo são tristezas e melancolias, e nem que tudo são rosas. Nos cabe então uma visão equilibrada do mundo. E é essa visão que nos dá a motivação necessária para ir atras dos nossos sonhos. Pois vemos e percebemos aquilo de ruim que precisa ser mudado e aquilo de bom que, com algum esforço, pode ser obtido. Sonhar então não é ruim, mas fugir da realidade para um completamente fantasioso é inflizmente pedir para sofrer. Pois, quanto maior for a fortaleza de nossos desejos, maior será o barulho e a ruína de quando a mesma for detruida pela força implacável da realidade.

Sonhemos, portanto, e nos deixemos ser levados por esses momentos de alegria e prazer, mas não façamos deles nossos refúgios, e nem os usemos como pretexto pra fugir e não enfrentar o mundo real. Esse mundo, realmente traz muitas dores e as vezes, poucas cores, mas cabe a nós saber enxergar sua beleza até onde não se vê beleza nenhuma. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário