sábado, 23 de julho de 2016

De conexões e obras primas

Starry Night de Vincent Van Gogh
E parece que a onde de aridez criativa que me assolou na última semana permanece comigo. E ontem, enquanto lutava contra meus próprios impulsos de simplesmente ir dormir, eu percebi uma coisa que ainda não tinha me dado conta.

Já há um bom tempo eu venho falando o quanto desejo que as pessoas fossem capazes de alcançar o coração umas das outras e como isso poderia melhorar o nosso relacionamento com o próximo e como isso faria do mundo um lugar melhor, um pequeno trecho da minha visão utópica, ou distópica, de uma futura humanidade melhorada, complementada. Esse assunto já está inclusive bastante esgotado por aqui, penso eu. No entanto, um novo prisma se abriu ontem à minha mente, e que pode me oferecer um novo ponto de vista acerca de nossa consciência, do nosso próprio eu e o do próximo.

Primeiramente, nos últimos dias tenho experimentado uma onda de aridez tremenda. Em muitos sentidos, inclusive, criativa, espiritual... Enfim. Provavelmente seja um efeito da leitura de São João da Cruz que tenho realizado nos últimos dias. Até porque, todas as outras vezes que me aventurei pela mística sanjuanista eu experimentei sentimentos semelhantes. Acontece que as palavras do Doutor Místico tem quase que o poder de nos tranportar, ainda que num sentido bem menor, a Noite Escura da alma de que trata o santo em seus escritos. Qualquer que seja o motivo, a privação dos sentidos é algo assustador e deveras doloroso de suportar. Dando seguimento, o que tem se sucedido é o seguinte: não tenho experimentado um vazio dos sentidos a ponto de não ter o que escrever, muito pelo contrário, mas na verdade experimentado um vazio que simplesmente não me permitia escrever, é como se as palavras simplesmente fugissem de minha mente simplesmente ao pensar em começar a escrever e aí me surgiu o insight: Não conseguimos por vezes sequer alcançar nosso próprio coração! 

A conclusão a que cheguei foi a seguinte: Meus sentimentos estavam ali, não poderiam ter simplesmente sumido ou adormecidos, estava ali, mas por causa de uma série de fatores, entre eles a Noite Escura, a aridez e a crise criativa, me impediram de alcançar meu próprios sentimentos, e isso faria com as palavras que por ventura saíssem de mim fossem completamente vazia de sentido e significado. Como acho que foi o caso do último post, onde meu esforço é notável e risível, e mesmo depois de muito tempo só consegui expressar uma série de fragmentos sem o mínimo sentido.

Isso também me fez pensar acerca da limitação que as palavras nos dão. Creio que a língua uma arte limitada, assim como também o éa pintura, quando o artista, por mais que tente não consegue a perspectiva desejada para expressar determinado aspecto de sua alma. Penso eu que talvez a música seja a que mais ofereça liberdade a expressão dos afetos da alma, mas ainda assim, sem o conhecimento necessário também pode se tornar um fracasso. Por fracasso aqui, não penso em obras que não despertem o meu interesse, até porque o interesse tem caráter estético que é muito particular, logo, a mais bela canção do mundo pra mim pode não passar de barulho para o meu próximo e assim também com as palavras, o melhor livro de poesia do mundo nas mãos de alguém que não entende nem se interessa pela arte dos poetas não passaria de um amontoado de palavras deconexas vazias de sentido. Quando pensm em fracasso, penso no sentimento de vazio ao olhar para uma página repleta de palavras e ver que o que ali se encontra não passa de uma tentativa infantil de expressão e que jamais pdoeria expressar com exatidão a alma do escritor. Assim como, mesmo por mais espiritualizado com o sentido da obra que eu esteja, a interpretação de determinada peça do repertório erudito sempre vai ser poluída por traços da minha personalidade a realidade daquele instante, ou seja: nunca será possível reconstruir assim a consciência de alguém apenas através de sua obra, pois como já disse, as artes tem sua limitação. 

Um outro aspecto também merece atenção por um breve instante: não estou apontando no entanto, o fato de as artes serem limitadas, como se algum dia eu pudesse ousar afirmar que a música ou a sejam imperfeitas. Mas então porque não conseguimos chegar a totalidade da expressão? Acredito que podemos sim chegar a essa totalidade, e chego a essa conclusão ao contemplar obras onde é possível sentir as vibrações da alma de seu criador, ainda que o mesmo já esteja morto à seculos. Mas isso não acontece sempre. Funciona mais ou menos como uma turnê de uma companhia de balé que vá apresentar uma peça de cunho romântico e, na segunda noité após a estreia, a estrela principal seja abatia por forte aridez, motivada ou não por fatores externos ligados direta ou indiretamente a sua apresentação, mas que o seja, de fato. Por mais que se esforce, não conseguirá a melhor apresentação porque ainda que seu corpo esteja de fato dando o seu melhor, sua mente e se coração estão desconectados. No entanto, antes do término da mesma turnê, algo se sucede e a mesma recupera o seu estímulo perdido, e na noute seguinte, realiza a melhor apresentação de sua vida. Ainda que exteriormente a apresentação tenha sido muito próxima de todas as outras, realizadas com o espirito abatido, o que difere esta das demais é justamente a conexão que estava completa. Todas as harmonias estavam combinadas, mente, corpo e espirito, que aqui eu também chamo de coração, estavam conectadas fazendo dessa a melhor performance. O mesmo ocorre portanto nas outras artes.

A própria expressão de Arte me chama a atenção para essa ligação, pois penso que todas estão intimamene ligadas, e ainda que em todas as pessoas se encontrem a preferência por essa ou aquela expressão artistica e que as formas de se expressar e de alcançar sejam tão variadas quanto as pessoas na terra. Mas nem todas conseguem sempre conexão dentro de si mesmas afim de conseguirem a famosa "obra de suas vidas". Essas obras que nos são passadas de geração em geração são então frutos dessas conexões tão raras de se acontecer. E se conectar-se a si mesmo já é algo tão raro que quando acontece é lembrado pela longa posteridade, conectar-se ao outro é ainda mais difícil e complicado. Pois ao passo que há que se manter essa conexão sempre ligada, a nossa conexão interior também estar sempre a funcionar perfeitamente, do contrário ambas são quebradas e por vezes, interrompidas de modo irremediável. 

As muitas tranformações a que somos submetidos então diariamente tem papel fundamental na formação dessas conexões, e os sentimentos e momentos de privação sensorial nem sempre são de todo ruins. Ora, Rachmaninoff passou por um colapso nervoso antes de se recuperar e compor a sua obra prima, seu Concerto N° 2, e ainda assim, quem é capaz de imaginar o quanto sua alma estava destruída durante esse período? Ou o quanto Tchaikovsky estava debilitado ao escrever sua própria obra póstuma, sua Patética? Esses momentos portanto foram de cruciam importância na concepção dessas idílicas peças e não significaram o fim de suas conexões, muito pelo contrário, apenas se recolheram para conectarem-se melhor. Como o famoso jargão da medicina homeopática que diz que antes de melhorar, temos de piorar e assim conseguir alcançar a cura. 

Essa recessão das conexões é então necessária ao seu restabelecimento e crescimento, penso eu, e não significam que devem ser vistas de forma ruim, mas apenas como períodos onde as ideias se escondem e se reunem, apenas para retornarem ainda mais fortes.

Por fim, isso só deixa claro o quanto estamos distantes de conseguir dominar completamente os potenciais da mente humana e como somos tolos em imaginar que podemos impor limites a mente do outro, o controlando ou o modificando. Pois a mente é formada por essas conexões deveras complexas de se entender e controlar em nós mesmos e quase impossível de se controlar no outro. O que não significa que seja impossível. Mas penso eu que, se alguém fosse realmente capaz de estar o tempo todo conectado consigo mesmo e com o próximo, o quanto de amor essa pessoa seria capaz de expressar e será que sua vida seria sua própria obra prima? 

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